quinta-feira, 23 de julho de 2015

Chiquinha Gonzaga

Chiquinha Gonzaga

O período histórico do Brasil conhecido como Segundo Reinado que durou meio século de 1840 a 1889 delimita um dos períodos mais ricos e controversos da história do Brasil. Foi um período de profundas mudanças políticas, sociais e econômicas que atingiram o pais e principalmente o Rio de Janeiro, sede do Império. Surgia uma classe média ainda que muito incipiente. Novidades tecnológicas como o lampião de gás e o bonde puxado a burros tornavam possível a boemia. Os novos intelectuais brasileiros discutiam idéias abolicionistas e liberais noite adentro. O Brasil deixava gradativamente de ser ou branco colonizador ou negro escravo para ser mais mestiço e livre.
A compositora Chiquinha Gonzaga nasceu neste contexto histórico no dia 17 de outubro de 1847. Era filha do militar José Basileu Nevez Gonzaga e de Rosa de Lima Maria. Seus pais no entanto não eram casados oficialmente prática que se tornara comum no Rio de Janeiro da época mesmo sob desaprovação moral e religiosa.
No parto da criança aconteceram complicações que colocaram a criança em risco. O batizado foi feito de imediato pois se temia o pior. A menina foi chamada de Francisca Edwiges e jé veio ao mundo enfrentando luta o que seria uma constante em sua vida. Pelos registros paroquiais sabe-se que a “família” residia na freguesia de Santana área próxima ao centro do rio.

Personalidade

Para uma mocinha bem comportada da época do Segundo Reinado a educação era imposta a mulher visando a um bom casamento. Para educara sua filha Francisca, José Basilleu contrata o cônego Trindade para as áreas de leitura, escrita, cálculo e catecismo. E para completar a boa formação de uma sinhazinha da época as indispensáveis lições de piano foram dadas pelo Maestro Lobo.
Mas Chiquinha logo demonstrou um caráter inquieto e muito rebelde. Surgiram sérios atritos com o pai pois o destino para uma moça namoradeira e independente demais na época era casar ou ir para o convento.
Não se tem notícia do envolvimento de Chiquinha na escolha do noivo mas tratava-se de um bom, casamento para os padrões vigentes. Ela ,com 16 anos morena de cabelos ondulados e estatura baixa. Ele Jacinto Ribeiro do Amaral com 24 anos, alto e atlético de cabelos alourados e olhos claros e sobretudo filho de um comendador já falecido e negociante bem sucedido.
O casamento foi realizado em 5 de novembro de 1863 e pouco mais de oito meses depois nasce o primeiro filho do casal João Gualberto. Tudo indicava que Chiquinha teria o destino da grande maioria das mulheres da época de D. Pedro II ou seja se tornasse um dama da corte de D. Pedro II , ou seja mãe de muitos filhos e dona de casa dedicada mas isso não parecia atrair Chiquinha. Ela passa a se ligar mais ao piano e a música e em pouco tempo isso passa a incomodar o marido.
A tensão conjugal estourou quando aconteceu a Guerra do Paraguai. O marido de Chiquinha era comandante e sócio de um navio mercante, o São Paulo e esta embarcação foi fretada pelo governo para transportar pessoal e equipamentos para a guerra. Jacinto começa a viajar para o Sul e se preocupa em deixar Chiquinha no Rio já que ela se tornara mãe pela segunda vez agora da menina Maria do Patrocínio.
Iludido com a possibilidade de manter o controle total sobre a esposa passa a levá-la com o filho João Gualberto nas viagens ao sul. Além do absurdo de ver a guerra de perto Chiquinha se desespera por se afastar da música. O marido lhe arranja um violão a bordo mas o desfecho não poderia ser outro. Antes de terminada a Guerra do Paraguai Jacinto dá o ultimato: ou ele ou a música. Ela lhe responde de forma respeitosa mas firme com uma frase de duplo sentido:
- Pois senhor meu marido eu não entendo a vida sem harmonia.
Chiquinha estava dando nesta época o primeiro salto para sua independência e para se tornar mais que uma musicista, um vulto de nossa história.
Mas isso que isso acontecesse o casal se divorciou. E também se levantou suspeitas sobre a paternidade do terceiro filho do casal pois Chiquinha tinha largado o marido para viver com João Batista Carvalho, engenheiro que trabalhava em estradas de ferro. Alegre e bem sucedido, Carvalhinho, como era chamado seduziu Chiquinha e ela aceitou viver com ele nos acampamentos de construção da estrada de ferro Morgiana no interior de Minas entre 1871 e 1875. Nesse ano retornaram ao Rio e assumiram abertamente sua união até porque estavam prestes a ter um filho.
A filha dos dois recebeu o nome de Alice. A situação revolta Jacinto que abre um processo de divórcio no Tribunal Eclesiástico, algo pouco comum e que a própria Igreja não incentivava. No processo ele acusa Chiquinha de abandono de lar e adultério. Ela assume a primeira acusação e nega a segunda.
Antes que a sentença fosse proferida em 1877, Chiquinha e Carvalhinho já estavam separados. A decepção com este amor a marcou para sempre e colocou a música como centro de suas atenções
Além da marca de ser uma mulher divorciada com um século de antecipação) Chiquinha viu o pai morrer renegando-a e seu nome ficou impronunciável perante a família.

Teatro de Revista e Operetas

Chiquinha Gonzaga ficou conhecida nos meios musicais brasileiros como “Offenbach de Saias” referência a Jacques Offenbach famoso compositor de operetas francês.
Isso graças a seu trabalho no teatro de revista. Trazido pelos franceses do Alcazar lírico, o teatro musicado popular foi ganhando mais e mais público interessado em se divertir com algo que não fosse nem muito longo como a óperas, nem muito sério como o teatro. Aos poucos foi surgindo um jeito brasileiro de se fazer estas montagens Começaram a aparecer os primeiros revistógrafos. Abriu-se um mercado de trabalho e Chiquinha sempre sintonizada com as novidades e atenta ao gosto do público viu ali uma oportunidade de trabalho.Investiu firme no projeto e se tornou maestrina da Praça Tiradentes.
No ano de 1884, depois de algumas tentativas infrutíferas, Chiquinha Gonzaga tornou-se autora de uma opereta chamada “ A Corte na Roça” com libreto e um ato escrito pelo também iniciante no gênero Palhares Ribeiro. A estreia da peça em 17 de janeiro de 1885 foi precedida de muitos problemas na produção do Teatro Príncipe Imperial (que depois se chamou São José). Apesar da descrença de alguns atores e músicos com o fato de, pela primeira vez a partitura musical ser escrita por uma mulher, foi justamente essa a única parte do espetáculo poupada pela crítica. O público gostou da música, em especial o maxixe que se dançava no encerramento. Chiquinha usaria esse recurso, de encerrar o espetáculo com um número de maxixe dançado, em várias outras montagens.
A parte musical foi descrita como bem instrumentada, alegre, buliçosa, saltitante, cheia de mimo e de caráter nacional.
A conquista do reconhecimento como maestrina teve um sabor especial para Chiquinha e lhe abriu um campo de trabalho a que ela se atirou por inteiro. Em pouco tempo um espetáculo com música de Chiquinha Gonzaga era garantia de casa cheia.
Em maio do mesmo ano da estreia já entrava em cartaz seu segundo trabalho para teatro e dessa vez tendo um libretista consagrado o jornalista Augusto de Castro. Mais uma vez a música salvava o espetáculo e o nome de Chiquinha se destacava.
Em 1886 duas revistas disputaram a preferência do público, “ O bilontra” escrita por Arthur de Azevedo e Moreira Sampaio e “ A mulher homem” escrita por Valentim Magalhães e Filinto de Almeida. Nessa segunda Chiquinha é autora de parte das músicas entre elas a do quadro “ O maxixe na Cidade Nova” que se destacou e criou polêmica por ter uma coreografia considerada sensual demais.
Outras operetas de Chiquinha Gonzaga são a ópera cômica “ A bota do diabo” estreada em Portugal em 1909.

Outro João Batista
A vida profissional da compositora ia muito bem mas a vida pessoal foi marcada pelo pouco convívio com os filhos. Embora fosse mãe de quatro filhos João Guallberto., Maria, Hilário e Alice estes foram criados pelos avós e tios.
A vida de Chiquinha também não foi fácil e ela chegou da dar aulas de piano, canto, francês, geografia, história e português para se manter.
Foi então que aconteceu um fato muito inusitado em sua vida, uma nova paixão.
João Batista Fernandes Lage, nascido próximo a cidade de Braga, no Norte de Portugal, tinha 16 naos quando conheceu e se apaixonou por Chiquinha. Seria mais um escândalo na vida da artista ma dessa vez ela optou pela dissimulação em vez do enfrentamento.
Chiquinha era tão preocupada com sua privacidade e como quanto podiam comentar sobre sua vida privada que não aceitava ter empregado em casa. Por dois anos o romance ficou em segredo absoluto até que, após uma viagem a Europa, com o rapaz tendo chegado a maioridade, retornaram se apresentando como mãe e filho. Era uma mentira difícil de acreditar até porque o rapaz tinha sotaque português mas ninguém ousou questionar. A estabilidade dessa união e a dedicação que João Batista lhe devotou até o fim da vida foram um descanso para o coração sofrido da compositora. Ironicamente, ela que tinha quatro filhos, mas com eles não convivia, acabou casada com um rapaz 36 anos maia moço que apresentava como filho.

O Abre- Alas

Chiquinha Gonzaga foi autora da primeira música de carnaval brasileira.Usando sua aguçada sensibilidade e morando no bairro do Andaraí próximo de onde acabara de ser fundado o cordão Rosa de Ouro a maestrina resolve dedicar ao grupo uma música própria para o canto nos dias de folia. Uma melodia simples para versos curtos:

Ô abre-alas
Que eu quero passar (bis)
Eu sou da lira
Não posso negar (bis)
Ô abre-alas
Que eu quero passar(bis)
Rosa de Ouro´
É que vai ganhar (bis)


Outras Fatos. Importantes da Vida da Compositora

Em 1911, dois autores muito jovens procuram a maestrina com uma idéia diferente. Uma peça que mostrasse os costumes do bairro popular da Cidade Nova, não só através de música e dança mas também com gírias e expressões típicas. Chiquinha percebe que a ideía é boa e usa seu prestígio pessoal para convencer a companhia do teatro São José a montar “ Forrobodó;um choro na Cidade Nova. A peça que era para ficar em cartaz apenas uma semana, segundo a má vontade dos donos da companhia, teve cerca de de 1500 récitas. Um sucesso retumbante o maior da maestrina no teatro
Um século depois ainda se pode constatar que as letras das canções escritas por Carlos Bittencourt e Luiz Peixoto para Forrobodó ainda são bem apimentadas.
Em 1933, a maestrina escreveu sua última opereta, “ Maria” com libreto de Viriato Correia, totalizando 77 trabalhos para teatro uma marca difícil de ser igualada.
Sem pre preocupada em garantir seu sustento, a compositora foi uma pioneira na defesa do direito autoral. Juntamente com vários autores de peças teatrais ajudou a fundar em 1917 a Sociedade Brasileira de Autores Teatrais- SBAT, entidade pioneira no Brasil.
Depois do sucesso de sua última opereta a maestrina recolheu-se a ao apartamento na Praça Tiradentes, onde só João Batista tinha acesso. Ele cuidou dela até o fim da tarde de 28 de fevereiro de 1935, uma quinta-feira antevéspera do Carnaval. Aos 88 anos de uma vida majoritariamente vitoriosas, a maestrina faleceu.
Talento, coragem, ousadia, capacidade de atender com música ás demandas da sociedade, tudo isso deu a Chiquinha, além de inúmeros aborrecimentos, a chance de sintetizar sua época através de sua arte.
Ao longo de uma vida de produção artística variada onde experimentou todo tipo de forma e gênero musical- do maxixe a música sacra.