Chiquinha Gonzaga
O período histórico do
Brasil conhecido como Segundo Reinado que durou meio século de 1840
a 1889 delimita um dos períodos mais ricos e controversos da
história do Brasil. Foi um período de profundas mudanças
políticas, sociais e econômicas que atingiram o pais e
principalmente o Rio de Janeiro, sede do Império. Surgia uma classe
média ainda que muito incipiente. Novidades tecnológicas como o
lampião de gás e o bonde puxado a burros tornavam possível a
boemia. Os novos intelectuais brasileiros discutiam idéias
abolicionistas e liberais noite adentro. O Brasil deixava
gradativamente de ser ou branco colonizador ou negro escravo para ser
mais mestiço e livre.
A compositora Chiquinha
Gonzaga nasceu neste contexto histórico no dia 17 de outubro de
1847. Era filha do militar José Basileu Nevez Gonzaga e de Rosa de
Lima Maria. Seus pais no entanto não eram casados oficialmente
prática que se tornara comum no Rio de Janeiro da época mesmo sob
desaprovação moral e religiosa.
No parto da criança
aconteceram complicações que colocaram a criança em risco. O
batizado foi feito de imediato pois se temia o pior. A menina foi
chamada de Francisca Edwiges e jé veio ao mundo enfrentando luta o
que seria uma constante em sua vida. Pelos registros paroquiais
sabe-se que a “família” residia na freguesia de Santana área
próxima ao centro do rio.
Personalidade
Para uma mocinha bem
comportada da época do Segundo Reinado a educação era imposta a
mulher visando a um bom casamento. Para educara sua filha Francisca,
José Basilleu contrata o cônego Trindade para as áreas de leitura,
escrita, cálculo e catecismo. E para completar a boa formação de
uma sinhazinha da época as indispensáveis lições de piano foram
dadas pelo Maestro Lobo.
Mas Chiquinha logo
demonstrou um caráter inquieto e muito rebelde. Surgiram sérios
atritos com o pai pois o destino para uma moça namoradeira e
independente demais na época era casar ou ir para o convento.
Não se tem notícia do
envolvimento de Chiquinha na escolha do noivo mas tratava-se de um
bom, casamento para os padrões vigentes. Ela ,com 16 anos morena de
cabelos ondulados e estatura baixa. Ele Jacinto Ribeiro do Amaral com
24 anos, alto e atlético de cabelos alourados e olhos claros e
sobretudo filho de um comendador já falecido e negociante bem
sucedido.
O casamento foi realizado
em 5 de novembro de 1863 e pouco mais de oito meses depois nasce o
primeiro filho do casal João Gualberto. Tudo indicava que Chiquinha
teria o destino da grande maioria das mulheres da época de D. Pedro
II ou seja se tornasse um dama da corte de D. Pedro II , ou seja mãe
de muitos filhos e dona de casa dedicada mas isso não parecia atrair
Chiquinha. Ela passa a se ligar mais ao piano e a música e em pouco
tempo isso passa a incomodar o marido.
A tensão conjugal
estourou quando aconteceu a Guerra do Paraguai. O marido de Chiquinha
era comandante e sócio de um navio mercante, o São Paulo e esta
embarcação foi fretada pelo governo para transportar pessoal e
equipamentos para a guerra. Jacinto começa a viajar para o Sul e se
preocupa em deixar Chiquinha no Rio já que ela se tornara mãe pela
segunda vez agora da menina Maria do Patrocínio.
Iludido com a
possibilidade de manter o controle total sobre a esposa passa a
levá-la com o filho João Gualberto nas viagens ao sul. Além do
absurdo de ver a guerra de perto Chiquinha se desespera por se
afastar da música. O marido lhe arranja um violão a bordo mas o
desfecho não poderia ser outro. Antes de terminada a Guerra do
Paraguai Jacinto dá o ultimato: ou ele ou a música. Ela lhe
responde de forma respeitosa mas firme com uma frase de duplo
sentido:
- Pois senhor meu marido
eu não entendo a vida sem harmonia.
Chiquinha estava dando
nesta época o primeiro salto para sua independência e para se
tornar mais que uma musicista, um vulto de nossa história.
Mas isso que isso
acontecesse o casal se divorciou. E também se levantou suspeitas
sobre a paternidade do terceiro filho do casal pois Chiquinha tinha
largado o marido para viver com João Batista Carvalho, engenheiro
que trabalhava em estradas de ferro. Alegre e bem sucedido,
Carvalhinho, como era chamado seduziu Chiquinha e ela aceitou viver
com ele nos acampamentos de construção da estrada de ferro Morgiana
no interior de Minas entre 1871 e 1875. Nesse ano retornaram ao Rio e
assumiram abertamente sua união até porque estavam prestes a ter um
filho.
A filha dos dois recebeu
o nome de Alice. A situação revolta Jacinto que abre um processo de
divórcio no Tribunal Eclesiástico, algo pouco comum e que a própria
Igreja não incentivava. No processo ele acusa Chiquinha de abandono
de lar e adultério. Ela assume a primeira acusação e nega a
segunda.
Antes que a sentença
fosse proferida em 1877, Chiquinha e Carvalhinho já estavam
separados. A decepção com este amor a marcou para sempre e colocou
a música como centro de suas atenções
Além da marca de ser uma
mulher divorciada com um século de antecipação) Chiquinha viu o
pai morrer renegando-a e seu nome ficou impronunciável perante a
família.
Teatro de Revista e
Operetas
Chiquinha Gonzaga ficou
conhecida nos meios musicais brasileiros como “Offenbach de Saias”
referência a Jacques Offenbach famoso compositor de operetas
francês.
Isso graças a seu
trabalho no teatro de revista. Trazido pelos franceses do Alcazar
lírico, o teatro musicado popular foi ganhando mais e mais público
interessado em se divertir com algo que não fosse nem muito longo
como a óperas, nem muito sério como o teatro. Aos poucos foi
surgindo um jeito brasileiro de se fazer estas montagens Começaram a
aparecer os primeiros revistógrafos. Abriu-se um mercado de trabalho
e Chiquinha sempre sintonizada com as novidades e atenta ao gosto do
público viu ali uma oportunidade de trabalho.Investiu firme no
projeto e se tornou maestrina da Praça Tiradentes.
No ano de 1884, depois de
algumas tentativas infrutíferas, Chiquinha Gonzaga tornou-se autora
de uma opereta chamada “ A Corte na Roça” com libreto e um ato
escrito pelo também iniciante no gênero Palhares Ribeiro. A estreia
da peça em 17 de janeiro de 1885 foi precedida de muitos problemas
na produção do Teatro Príncipe Imperial (que depois se chamou São
José). Apesar da descrença de alguns atores e músicos com o fato
de, pela primeira vez a partitura musical ser escrita por uma mulher,
foi justamente essa a única parte do espetáculo poupada pela
crítica. O público gostou da música, em especial o maxixe que se
dançava no encerramento. Chiquinha usaria esse recurso, de encerrar
o espetáculo com um número de maxixe dançado, em várias outras
montagens.
A parte musical foi
descrita como bem instrumentada, alegre, buliçosa, saltitante, cheia
de mimo e de caráter nacional.
A conquista do
reconhecimento como maestrina teve um sabor especial para Chiquinha e
lhe abriu um campo de trabalho a que ela se atirou por inteiro. Em
pouco tempo um espetáculo com música de Chiquinha Gonzaga era
garantia de casa cheia.
Em maio do mesmo ano da
estreia já entrava em cartaz seu segundo trabalho para teatro e
dessa vez tendo um libretista consagrado o jornalista Augusto de
Castro. Mais uma vez a música salvava o espetáculo e o nome de
Chiquinha se destacava.
Em 1886 duas revistas
disputaram a preferência do público, “ O bilontra” escrita por
Arthur de Azevedo e Moreira Sampaio e “ A mulher homem” escrita
por Valentim Magalhães e Filinto de Almeida. Nessa segunda Chiquinha
é autora de parte das músicas entre elas a do quadro “ O maxixe
na Cidade Nova” que se destacou e criou polêmica por ter uma
coreografia considerada sensual demais.
Outras operetas de
Chiquinha Gonzaga são a ópera cômica “ A bota do diabo”
estreada em Portugal em 1909.
Outro João Batista
A vida profissional da
compositora ia muito bem mas a vida pessoal foi marcada pelo pouco
convívio com os filhos. Embora fosse mãe de quatro filhos João
Guallberto., Maria, Hilário e Alice estes foram criados pelos avós
e tios.
A vida de Chiquinha
também não foi fácil e ela chegou da dar aulas de piano, canto,
francês, geografia, história e português para se manter.
Foi então que aconteceu
um fato muito inusitado em sua vida, uma nova paixão.
João Batista Fernandes
Lage, nascido próximo a cidade de Braga, no Norte de Portugal, tinha
16 naos quando conheceu e se apaixonou por Chiquinha. Seria mais um
escândalo na vida da artista ma dessa vez ela optou pela
dissimulação em vez do enfrentamento.
Chiquinha era tão
preocupada com sua privacidade e como quanto podiam comentar sobre
sua vida privada que não aceitava ter empregado em casa. Por dois
anos o romance ficou em segredo absoluto até que, após uma viagem a
Europa, com o rapaz tendo chegado a maioridade, retornaram se
apresentando como mãe e filho. Era uma mentira difícil de acreditar
até porque o rapaz tinha sotaque português mas ninguém ousou
questionar. A estabilidade dessa união e a dedicação que João
Batista lhe devotou até o fim da vida foram um descanso para o
coração sofrido da compositora. Ironicamente, ela que tinha quatro
filhos, mas com eles não convivia, acabou casada com um rapaz 36
anos maia moço que apresentava como filho.
O Abre- Alas
Chiquinha Gonzaga foi
autora da primeira música de carnaval brasileira.Usando sua aguçada
sensibilidade e morando no bairro do Andaraí próximo de onde
acabara de ser fundado o cordão Rosa de Ouro a maestrina resolve
dedicar ao grupo uma música própria para o canto nos dias de folia.
Uma melodia simples para versos curtos:
Ô abre-alas
Que eu quero passar (bis)
Eu sou da lira
Não posso negar (bis)
Ô abre-alas
Que eu quero passar(bis)
Rosa de Ouro´
É que vai ganhar (bis)
Outras Fatos. Importantes
da Vida da Compositora
Em 1911, dois autores
muito jovens procuram a maestrina com uma idéia diferente. Uma peça
que mostrasse os costumes do bairro popular da Cidade Nova, não só
através de música e dança mas também com gírias e expressões
típicas. Chiquinha percebe que a ideía é boa e usa seu prestígio
pessoal para convencer a companhia do teatro São José a montar “
Forrobodó;um choro na Cidade Nova. A peça que era para ficar em
cartaz apenas uma semana, segundo a má vontade dos donos da
companhia, teve cerca de de 1500 récitas. Um sucesso retumbante o
maior da maestrina no teatro
Um século depois ainda
se pode constatar que as letras das canções escritas por Carlos
Bittencourt e Luiz Peixoto para Forrobodó ainda são bem
apimentadas.
Em 1933, a maestrina
escreveu sua última opereta, “ Maria” com libreto de Viriato
Correia, totalizando 77 trabalhos para teatro uma marca difícil de
ser igualada.
Sem pre preocupada em
garantir seu sustento, a compositora foi uma pioneira na defesa do
direito autoral. Juntamente com vários autores de peças teatrais
ajudou a fundar em 1917 a Sociedade Brasileira de Autores Teatrais-
SBAT, entidade pioneira no Brasil.
Depois do sucesso de sua
última opereta a maestrina recolheu-se a ao apartamento na Praça
Tiradentes, onde só João Batista tinha acesso. Ele cuidou dela até
o fim da tarde de 28 de fevereiro de 1935, uma quinta-feira
antevéspera do Carnaval. Aos 88 anos de uma vida majoritariamente
vitoriosas, a maestrina faleceu.
Talento, coragem,
ousadia, capacidade de atender com música ás demandas da sociedade,
tudo isso deu a Chiquinha, além de inúmeros aborrecimentos, a
chance de sintetizar sua época através de sua arte.
Ao longo de uma vida de
produção artística variada onde experimentou todo tipo de forma e
gênero musical- do maxixe a música sacra.