domingo, 24 de dezembro de 2017

Ismael Silva


Ismael Silva

Se Você Jurar ( Ismael Silva-Francisco Alves- Nilton Bastos)

Se você jurar
Que me tem amor
Eu posso me regenerar
Mas se é
Pra fingir, mulher
A orgia assim não vou deixar
Muito tenho sofrido
Por minha lealdade
Agora estou sabido
Não vou atrás de amizade
A minha vida é boa
Não tenho em quem pensar
Por uma coisa á toa
Não vou me regenerar
A mulher é um jogo
Difícil de acertar
E o homem como um bobo
Não se cansa de jogar
O que eu posso fazer
E se você jurar
Arriscar a perder
Ou desta vez então ganhar

Vida
O sambista Ismael da Silva nasceu em Niterói a 35 km do bairro do Estácio, local onde ele e outros sambistas revolucionaram o samba no dia 14 de setembro de 1905. Era o quinto filho do cozinheiro Benjamim da Silva e Emília Correia Chaves. A família vivia em Jurujuba, um povoado de Niterói, na região metropolitana do Rio, constituído em torno de uma praia. Os pescadores eram maioria na pequena população, mas ainda havia funcionários de um cemitério e como no caso de Benjamim, do hospital Paula Cândido, que pertencia a Marinha.
A morte do chefe de família,e m 1908, significou miséria imediata. Em Jurujuba, Emília não podia ficar, pois não eram permitidas mulheres empregadas no hospital, em função de ele ser exclusivo para pacientes masculinos e também não havia como trabalhar no cemitério ou na colônia de pescadores.
Parentes do casal residentes do Rio ajudaram a pagar o enterro e disseram a Emília que para conseguir serviço, ele precisaria mudar de cidade. Diante da dificuldade de sustentar cinco filhos ficou decidido que os quatro mais velhos morariam com familiares e apenas Ismael de três anos, ficaria com a mãe. Ela e o caçula se mudaram para o Estácio e os outros foram viver em bairros próximos.
Lavando roupa para fora, Emília sustentou a infância de Ismael, pobre mas sem privações. O que a mãe não considerava prioridade era estudar coisa, segundo ela, só para privilegiados.
Mas mesmo assim o menino Ismael manifestou desejo de estudar e um dia foi a uma escola pedir isso. De tanto insistir, acabou conseguindo. Sempre de acordo com o compositor, Ismael assombrou a todos com sua capacidade de aprender, tendo se alfabetizado rápido e até ajudado colegas com maior dificuldade. Dizia que ao voltar para casa, não queria saber de brincar, só de estudar. E costumava ser o primeiro aluno em todas as matérias.
Fato é que estudou até os 18 anos, concluindo o então curso ginasial. Não chegou a tentar vira doutor, pois além das dificuldades financeiras e até raciais da época já estava muito envolvido com samba, querendo se tornar compositor. E á sua maneira, malandro.

Antonico

O compositor passou por uma fase muito difícil em sua vida. Tamanha miséria e privação moral e financeira foi refletida na música “Antonico”. Ismael passou a vida inteira negando que a música fosse autobiográfica mas é impossível não relacionar a situação do compositor na época com o período em que a música foi composta.

A letra é a seguinte:

Antonico ( Ismael Silva)

Ô Antonico vou lhe pedir um favor
Que só depende da sua boa vontade
È necessário uma viração pro Nestor
Que está vivendo em grande dificuldade
Ele está mesmo dançando na corda bamba
Ele é aquele que na escola de samba
Toca cuíca, toca surdo e tamborim
Faça por ele como se fosse por mim
Até muamba já fizeram para o rapaz
Porque no samba ninguém faz o que ele faz
Mas ei de vê-lo bem feliz se Deus quiser
E agradeço pelo que você, fizer, meu senhor.

Um fotógrafo, grande amigo do compositor o viu em shows batendo no peito quando a plateia gritava Nestor em referência a ele. No livro Pixinguinha- Filho de Ogum Bexiguento ( 1979) Marília T. Barboza da Silva e Arthur L. de Oliveira Filho revelaram uma carta de 10 de maio de 1939 assinada por Pixinguinha- mas talvez escrita por Ismael em que se pedia ao musicólogo Mozart de Araújo um emprego para o compositor do Estácio. “ Espero que o que puder fazer pelo Ismael seja como se fosse por mim” é a última frase da carta quase copiada em Antonico.
O declínio e sofrimento foi além. Ismael resolveu tirar satisfação com Edu Motorneiro, valentão que fizera um gracejo grosseiro para sua irmã Orestina. Consciente da disparidade de forças, levou um revólver. Acertou dois tiros nas nádegas de Edu e foi detido. Seu admirador Prudente de Morais Neto advogado e jornalista, o defendeu e conseguiu pena mínima, de cinco anos. Após cumprir a metade, Ismael foi solto por bom comportamento.
No presídio Frei Caneca, no centro do Rio, chegou a dar entrevistas queixando-se do esquecimento e falando dos artistas preferidos. Entre eles estava Francisco Alves. Ismael nunca explicou minuciosamente mágoa que passou a sentir. Não ter sido procurado pelo cantor nesse momento difícil pode ter sido um dos motivos. Ele e o cantor foram parceiros em músicas e Chico Alves extremamente esperto aproveitou-se da músicas e da situação do parceiro. Veio daí a percepção do compositor que ele perdia dinheiro com a parceria. Nos relatos futuros atribuiu para si um papel de herói da resistência de quem rompeu com uma situação de exploração financeira e de humilhação. E ele, um tanto por necessidade e outro tanto por deslumbre foi uma espécie de secretário de Chico durante os sete anos em que o acordo ignorou. Andava com “ O Rei da Voz” para todos os lados de alguma forma servia-o, gostava de usar joias vistosas e houve quem, como o cantor Cyro Monteiro, afirmasse que ficou esnobe. Vaidoso desde sempre, Ismael se atrapalhou no relacionamento com Chico, que era extremamente esperto. Mas construiu com a ajuda dele, uma grande obra até 1935.
No mesmo ano,o compositor teve um romance com a passista Diva Lopes Nascimento, do qual nasceu sua única filha Marlene, que ele nunca registrou e com quem pouco conviveu. Ela lhe daria quatro netos. Como de hábito não falava da história com clareza. Dizia que o relacionamento durara só um mês e que acabara porque Diva o traía. Como se tornou uma pessoa reclusa após a prisão, acostumou-se a receber de jornalistas perguntas sobre sua vida amorosa, como se ainda pretendia casar. A resposta era afirmativa.
A reclusão e a consequente perda de traquejo social podem ter contribuído para que sua fala ficasse mais empolada como o tempo. Tinha uma forma muito peculiar de se expressar e pronunciava as palavras com vagueza para administrar a gagueira.
Foi com muita dificuldade que ele tentou se sustentar ao sair da prisão. Já tivera emprego regular como auxiliar do escritório de advocacia e segurança da Central do Brasil. Tentou sem êxito junto a conhecido importantes ser meirinho no Tribunal de Justiça. A condição de ex- presidiário não ajudava. Na música conseguiu se gravado por Aurora Miranda, Cyro Monteiro, Moreira da Silva, Nelson Gonçalves e não mutos outros, mas sem voltar a se fazer notar.
Os últimos anos de Ismael foram vividos entre o reconhecimento de sua importância por colegas de profissão, as dificuldades financeiras e a piora da saúde. Em 1966 Sérgio Cabral liderou uma campanha vitoriosa para transformá-lo em Cidadão Samba, título então importante. Em 1963 e 1964 foi reverenciado no Zicartola, o restaurante/ casa criado por Cartola e sua mulher Zica no centro do Rio. Cantou várias vezes no local e se empolgava com a admiração dos jovens, chegando a superar seu jeito antissocial e ir a a apartamentos participar de rodas musicais, nas quais, vaidoso, preferia ser o último a cantar.
O reconhecimento tardio da obra de Ismael por outros artistas da música popular brasileira comovia Ismael, mas não eram suficientes para lhe dar condições de sair da casa de cômodos em que vivia na Lapa, centro do Rio. Tinha vergonha do lugar- do qual ainda sofria ameaças de despejo por atraso no pagamento- e preferia receber amigos e jornalistas num bar próximo. Gostava mesmo de ir á Igreja Messiânica do Grajáu ( zona norte) que frequentava assiduamente desde 1969.
Em 19 de dezembro de 1977, Ismael foi para o Hospital da Lagoa, na zona sul do Rio, para tentar se livrar de um mal que o incomodava havia 15 anos: uma úlcera varicosa nas pernas. A cirurgia foi bem sucedida mas a recuperação foi lenta e outros procedimentos eram previstos como a retirada da próstata. Às vésperas do Carnaval teve um infarto.
Ismael Silva faleceu no dia 14 de março de 1978. Foi enterrado no cemitério do Catumbi, perto do bairro que ajudou a pôr na história da música.

Ismael Silva 

quinta-feira, 21 de dezembro de 2017

Jackson do Pandeiro


Jackson do Pandeiro

Vida

O compositor paraibano Jackson do Pandeiro cujo nome verdadeiro era José Gomes Filho nasceu no Engenho Tanques, município de Alagoa Grande no dia 31 de agosto de 1919. Era filho do oleiro José Gomes com a cantora de cocos ( um ritmo nordestino) Flora Mourão.
Alagoa Grande conhecida como Rainha do Brejo ganhava ares de metrópole pelos benefícios gerados pela economia e e pela estrada de ferro que além de transportar os produtos para o comércio cada vez mais variado e rico trazia informação e trabalhadores para a a agroindústria. Com eles, andarilhos em busca de oportunidades e cantadores, boêmios, repentistas, violeiros e emboladores de coco.
Dona Flora, apoiada pelo marido ajudava a pagar as contas cantando em casamentos, batizados e festas de todos os tipos acompanhada por um músico chamado João Feitosa. Longe de pensar em carreira artística, o menino preferia ficar com a criançada na Lagoa do Paó ouvindo o coaxar dos sapos que um dia serviria de inspiração para um de seus maiores sucessos “Cantiga do Sapo”.
O menino não perdia as rodas de coco que a mãe fazia em casa para aperfeiçoar o repertório. E aos poucos ia aprendendo as letras,os ritmos e as batidas.
Aos sete anos, o menino tomou coragem e durante uma tarde de ausência de Feitosa assumiu o bumbo, assumindo o instrumento com competência. Três anos depois já era o acompanhante oficial da mãe. Apesar do longo caminho até o local das festas exercia a função como uma das brincadeiras com os amigos. Entre elas a preferida era imitar os heróis e bandidos do cinema mudo, principalmente os de faroeste em especial um ator norte- americano de filme de faroeste chamado Jack Perrin um sujeito magro e canastrão que o menino imitava com a perfeição possível da idade.

Mudança

O patriarca da família de Jackson acabou mudando para Campina Grande, deixando o engenho e se estabelecendo na periferia desta cidade. A mãe que até então contava com os filhos Zé e Severina ficou grávida pela terceira vez. Abandonou o coco para gerar e cuidar do filho João ( Tinda) e Zé Jack começava a trabalhar com o pai na olaria. Mas durou pouco o trabalho com o pai. Em alguns meses o patriarca morria de causas não reveladas e a família se decide mudar para Campina Grande para morar com os filhos da irmã , Maria Jacinta, já falecida e o cunhado Manuel Galdino.
Acabrunhada com a morte do marido, Dona Flora parou de sustentar a a família com seu canto, deixando para o filho mais velho a responsabilidade de de levar os dinheiros das despesas para a casa. Zé Jack passou a trabalhar como ajudante de padeiro , junto com os primos.
Passaram a morar numa região conhecida como Açude Velho.
Início da vida Profissional

Jackson no início de sua vida só pensava em trabalhar, e evitar confusão. Começou a frequentar os redutos boêmios levado principalmente pela música. Aprendia música nas feiras. Tocava todo tipo de instrumento de percussão , mas só assumiu o pandeiro depois que seu estilo chamou a atenção do cego cantador Chico Bernardo que vendia cordéis na Feira Grande e ficou impressionado pelo talento precoce do quase garoto.
Jackson começava a ser conhecido como músico. Apesar de atuar só em saraus, serestas e mesas de bar chamava a atenção dos mais experientes. Além da percussão, tocava os rudimentos da sanfona e do piano enquanto exercia direito de tocar com profissionais nos bares.
Precursores das rádios comunitárias que por lei só podem atingir uma pequena área de atuação, os serviços de alto- falante são ainda hoje canais eficientes de comunicação em várias regiões do Nordeste. Chamados de difusoras elas eram comuns em meados dos anos 30. Em Campina Grande José Gomes Filho que já adotara do apelido artístico de Jack do Pandeiro tocava em alguma destas difusoras. Em uma delas, no bairro em que morava, Zé Pinheiro, ganhou uma oportunidade que esperava havia um bom tempo sendo convidado para assumir o posto de condutor de um pastoril ( festas misto de religiosas e profanas muito comuns no Nordeste) no lugar do velho Caiçara que queria se aposentar. E Zé Jack acabou entrando na nova profissão como o palhaço Parafuso.
A difusora A Voz de Campina Grande fazia um show de calouros no domingo á noite. Foi ali que ele formou com o amigo Zé Lacerda a primeira dupla Café com Leite para cantar sambas e marchas de Carnaval e tocar pandeiro.
Depois de abrir mão do ofício de padeiro, seu primeiro emprego oficial veio no recém- inaugurado Cabaré Eldorado, a casa mais luxuosa de Campina Grande no final dos anos 30. Ali ele aprendeu tocando em uma orquestra de músicos muito experientes a tocar de tudo do choro ao jazz, do maxixe a rumba, do tango ao blues. Completou a nova fase de formação com o cinema falado. E cantado. Foi nas telas que viu o chapéu do cantor e compositor Manezinho Araujo, que passou a adotar como uma de suas marcas. E o samba cheio de breques e humor de Jorge Veiga que abriu possibilidades para seu futuro como cantor. Chegou a incluir músicas do repertório destes dois artistas em suas apresentações enquanto construía repertório próprio.

Almira Castilho

Cada vez mais popular, Jackson sentia falta de cantar, no rádio, seus cocos, rojões e batuques, mas guardava para o futuro que estava próximo. Mais exatamente no final de janeiro de 1953 a um mês do carnaval. A Rádio preparava a revista “ A Pisada é Essa” como última grande atração antes do Carnaval e Jackson havia preparado uma marcha para a a ocasião quando na última hora a emissora muda de ideia e ordena-lhe que toque um ritmo nordestino. Jakson lança mão do coco “ Sebastiana “ do amigo Rosil Cavalcante que começa a ensaiar para depois do carnaval. Ele convida a vocalista Luiza de Oliveira para acompanhante e se transforma na sensação da revista. Para ilustrar a história da comadre que dança feito uma guariba Luiza improvisa uma umbigada que após deixar Jackson momentaneamente surpreso, provoca uma resposta que deixa a plateia feliz e eufórica.
A dança diferente vira sucesso. Tanto que a rádio muda o nome da revista para A , E , I, O , U, Ypsilone e Jackson vira a atração principal da emissora.

A Letra desta música festiva e deliciosa é a seguinte :

Sebastiana ( Rosil Cavalcante)

Convidei a comadre Sebastiana
Para cantar e xaxar na Paraíba
Ela veio com uma dança diferente
E pulava que só uma guariba
E gritava: a e i o u ypislone ( bis)
Já cansada no meio da brincadeira
E dançando fora do compasso
Segurei Sebastiana pelo braço
E gritei, não faça sujeira
O xaxado esquentou na gafieira
E Sebastiana não deu mais fracasso
Mas gritava: a e i o u ypsilone

Com férias marcadas e exausta Luiza abandona suas atividades com Jackson dando lugar a Almira Castilho que se tornaria a grande parceira de Jackson na música e na vida.
A dupla vira uma das atrações principais da rádio e Jakson sai da orquestra Jazz Paraguary., posto inicial de contrato para assumir a função da cantor assim como a de comediante. Era um recomeço na carreira.
A relação entre Almira e Jakson evolui para uma relação sentimental e os dois acabam por se casar em outubro de 1964. Mas a relação se deteriora e o desquite começa a virar fato jurídico em 1967.
O último show aconteceu em Belo Horizonte. E o disco de encerramento da dupla foi “ Braza do Norte” de 1967. A separação conjugal já era fato, mas a profissional ainda não quando ele conhece, após uma participação no show de Ary Lobo, em São Paulo a próxima e derradeira mulher chamada Neuza Flores dos Anjos que era um fã do artista e foi conhecer o ídolo num restaurante de hotel e terminou apresentando Jackson ao pais e sendo imediatamente pedida em casamento.
Viveram felizes como um casa de cinema até janeiro de 1968 quando um acidente de carro deixou o artista sem mover os braços por mais de um ano. Neuza cuidou do marido até sua recuperação total. E acabou entrando para a música, por insistência do marido, que lhe ensinou a tocar agogô e e passou a formar com ela uma nova dupla.

O Canto da Ema

No final da década de 60, Jackson passa por novo renascimento artístico graças ao movimento da Tropicália movimento cultural dos anos 60 encabeçado por Gilberto Gil e Caetano Veloso que passam a considerar Jackson ídolo e ícone. Num lance de esperteza, simbolizando outra volta por cima lança o disco “ Aqui eu tô” cuja foto de capa faz menção aos Beatles do disco “ Abbey Road”.
E quando em outro álbum lança “ O Canto da Ema” para o público mais jovem.

O Canto da Ema ( Alventino-Aires Viana- João do Vale)

A ema gemeu
No tronco do juremá (2X)
Foi um sinal bem triste, morena
Fiquei a imaginar
Será que o nosso amor, morena
Que vai se acabar ?
Você bem sabe
Que a ema quando canta
Vem trazendo no seu canto
Um bocado de azar
Eu tenho medo
Pois acho que é muito cedo
Muito cedo , meu benzinho
Para esse amor se acabar
Vem morena ( vem, vem, vem )
Me beijar ( me beijar)
Dá-me um beijo (dá um beijo)
Pra esse medo se acabar

Outras Música de Jackson do Pandeiro( ou interpretadas por ele)

Forró em Caruaru ( Zé Dantas)
Chiclete Com Banana ( Gordurinha- Almira Castilho)
Um a Um ( Edgar Ferreira)
Xote de Copacabana ( José Gomes)
A Mulher do Aníbal ( Genival Macedo- Nestor de Paula)
Cantiga do Sapo ( Jackson do Pandeiro- Buco do Pandeiro)
Forró em Limoeiro ( Edgar Ferreira)
Casaca de Couro ( Rui Moraes e Silva)
Falso Toureiro ( José Gomes- Heleno Clemente)


Morte

Com prestígio em alta, Jackson e sua banda embarcam para um excursão pelo Nordeste que terminaria em Brasília. Em uma apresentação em Santa Cruz do Capibaribe, perto de Recife no dia 23 de junho de 1982 passa mal durante o show mas retoma o microfone e tudo termina bem. No dia seguinte faz um show normal em Caruaru mas volta a ter tonturas. O diagnóstico é enfarte. E leva o conselho de interromper a temporada para ir descansar.
Teimoso, o artista insiste em continuar a temporada e no dia 3 de julho faz um show entusiasmado numa associação de funcionários do Ministério da Educação, De manhã, no aeroporto dormiu seu cochilo habitual nessas ocasiões, enquanto esperava o vôo para o Rio, mas não acordou normalmente. Foi acudido por um médico que revelou uma queda na glicose que evoluiu para um coma. Foi internado, esteve em dois hospitais e no dia 10 de julho de 1982. á a tarde, depois de passar momentos acordados e falar com a mulher, Neuza, não resiste e morre.
No resgate de sua memória um prova do descuido de um pais que não valoriza a grandeza de seus artistas populares. Dos cento e cinquenta pandeiros que ele tinha em seu acervo pessoal restou apenas um para lembrar sua memória.

Jackson do Pandeiro 



Dorival Caymmi


Dorival Caymmi

Você já foi a Bahia ? ( Dorival Caymmi)

Você já foi a Bahia, nega ?
Não ?
Então vá
Quem vai o Bonfim minha nega
Nunca mais quer voltar
Muita sorte teve
Muita sorte tem
Muita sorte terá
Você já foi a Bahia, nega ?
Não ?
Então vá !
Lá tem vatapá !
Então vá !
Lá tem caruru
Então vá !
Lá tem mungunzá
Então vá !
Se quiser sambar
Então vá !
Nas sacadas dos sobrados
Da velha São Salvador
Há lembranças de donzelas
Do tempo do imperador
Tudo, tudo na Bahia
Faz a gente querer bem
A Bahia tem um jeito
Que nenhuma terra tem

Vida

O compositor Dorival Caymmi nasceu em Salvador ,capital da Bahia no dia 30 de abril de 1914. Era filho de Aurelina Cãndida Soares e do funcionário público Durval Henrique Caymmi.
Ele nasceu na Rua da Bangalã, hoje Luiz Gama, em São Salvador, Bahia de Todos os Santos. Bangalã nome de um grupo etnolinguístico de Angola era como se chamavam os negros trabalhadores nas obras das encostas da cidade alta, nos tempos coloniais.
A história da família deriva do bisavô italiano Enrico Balbino Caymmi que chegou á Bahia na segunda metade do século XIX para trabalhar na construção do Elevador Lacerda. Enrico casou-se com a portuguesa Maria da Glória que viera no mesmo navio que o trouxera da Europa.
Dorival viveu os primeiros momentos de sua infância no Campo da Pólvora, hoje Praça Rui Barbosa, depois mudou-se para a Rua Direita da Saúde, 29, onde guarda as primeiras lembranças, como a do pátio acimentado com um banco arredondado de plantas onde ouviu pela primeira vez a comovente Elegie de Jules Massenet muito tocado nos pianos e gramofones da época. A canção exerceu no menino um impacto, despertando sua vocação para a música.
Sua mãe gostava de cantar. O pai também. Canções a que os habitantes da região estavam acostumados a cantar. Eram cançonetas que vinham do teatro com uma influência europeia da passagem dos anos 1910 para os anos 1920. O pai Durval tinha três violões um deles de 18 mil réis comprado da Guitarra de Prata, no Rio de Janeiro e um bandolim napolitano, presente de um amigo. Foi ele que ensinou a Dorival as posições básicas de tons maiores ao violão.
Dorival cresceu em um ambiente musical e caseiro, ouvindo o som do piano da tia, do piano do seu Brim da família defronte, as polcas das festinhas na vizinhança, assim como frequentando as tardes domingueiras em que mulheres com robes caseiros e homens de pijamas de alamares brancos reuniam-se para cantar modinhas., em que cantores bons de peito e português apareciam para declamar Guerra Junqueiro ou Castro Alves sempre acompanhados de uma peça musical obrigatória, solicitada ao pianista antes da récita.
Contudo além das aulas de canto com a professora Amanda e a participação no coro em novenas e missas, crescia no menino Dorival o fascínio pelas ruas e e seus sons. Pelas ladeiras com vista do alto por torres de igrejas e conventos, ouvia cantigas e pregões das negras vendedoras noturnas, alguns em nagô e português.
Misturados ao ruído das carroças em ruas sem automóveis, ouvia sons dos afoxés com seus atabaques, chocalhos, cabaças e agogôs , mesmo instrumental dos candomblés.
Em 1930, Dorival com dezesseis anos, começa a compor paródias e versões para emboladas e sambas gravados por Almirante e os Turunas da Mauricéia. È dessa época também sua primeira composição nunca gravada “ No Sertão” canção cheia de lugares comuns: a roda da fogueira, o rancho fundo...
Uma profunda e radical mudança iria acontecer na personalidade e na música do jovem Dorival quando com dezessete para dezoito anos conheceu Itapoã apresentada pelo pai onde se chegava a pé, depois de saltar no ponto final do ônibus em Amaralina. As outras opções eram no caminhão do Seu Lisboa ou no ônibus de Seu Chico Mãozinha, português. Lá conhece pessoas simples e humildes chapéus de palha, tudo feito artesanalmente em agulhas de tecer rede.
Dorival passou a frequentar Itapoã, onde com amigos tocava violão, cantava, namorava. O Dorival rapazinho gostava de ouvir composições de Ary Barroso, de Joubert de Carvalho e vozes como as de Vicente Celestino ou Gastão Formenti, evocando o ambiente dos grotões, da saudade da cabocla ou de lendas folclóricas. Já com a vocação musical se confirmando ali por 1934 não podia deixar de ser atraído pelo ambiente de rádio. Ele e o melhor amigo Zezinho arriscaram uma visita á Rádio Clube, na Avenida Sete, onde foram recebidos por um cavalheiro que os convidou para um experiência no estúdio. Ambos cantavam parecido com Francisco Alves, o que agradou. Com mais dois amigos, formaram o grupo Três e Meio, nome sugerido pelo locutor Luis Paraguaçu, da Rádio, devido á estatura de um dos quatro integrantes. O conjunto amador, tinha como referência o Bando da Lua e se apresentava aos domingos.

Conselho Familiar

Dorival decidiu tentar o mundo, e foi para o Rio de Janeiro chegando nesta cidade do dia 4 de abril de 1938. Chegou ao Rio sozinho e sem dinheiro. Mas lembrava-se de um conselho familiar dado pelo pai de seu bisavô que quando o filho foi embarcar para o Brasil ganhou do pai um par de botinas e o conselho para sozinho enfrentar a vida : “ Faça-se homem.”

Esposa

Dorival Caymmi conheceu sua futura esposa que se chamava Stela Tostes na casa do famoso escritor Jorge Amado que ofereceu um banquete para os amigos. Stela era cantora principiante , tendo como profissão cantora de rádio.
O casal teve três filhos. Danilo, Nana ( que também seguiu a carreira de cantora) e Dori dignos guardiões e herdeiros da heranças musical dos pais.

João Valentão

Esta música de Dorival Caymmi fala e resume muito da personalidade do artista. Um homem calmo,, tranquilo, pacífico e equilibrado leitor de Voltaire. A sátira “ Cândido” deste filósofo e escritor francês sátira feroz ao “ melhor do mundos possíveis” do cientista alemão Leibnitz era uma de suas grandes paixões.
João Valentão é baseado na vida de Carapeba um pescador valente, contador de histórias durão e sonhador que serviu de base para esta famosa canção formando um tipo humano indescritível . João é bom de briga, provocador, mas para tudo quando vê um pôr-do-sol. Ele faz coisas que até Deus duvida mas se transforma em um preguiçoso sedutor( preguiça que é virtude não a do pecado capital) em que até a vontade de contar mentira é uma virtude. Apreciando a natureza ele muda de atitude tornando-se um homem contemplador e sereno.
A letra de refinado lirismo é a seguinte:

João Valentão ( Dorival Caymmi)

João valentão é brigão
Pra dar bofetão
Não presta atenção e nem pensa na vida
A todos João intimida
Faz coisas que até Deus duvida
Mas tem seu momento na vida
É quando o sol vai quebrando
Lá pro fim do mundo pra noite chegar
È quando se ouve mais forte
O ronco das ondas na beira do mar
É quando o cansaço da lida
Obriga João a sentar
E quando a morena se encolhe
Se chega pro lado querendo agradar
Se a noite é de lua
A vontade é contar mentira
É se espreguiçar
Deitar na areia da praia
Que acaba onde a vista não pode alcançar
E assim adormece esse homem
Que nunca precisa dormir para sonhar
Porque não há sonho mais lindo do que sua terra
Não há.

Dora

Dora ( Dorival caymmi)

Dora, rainha do frevo e do maracatu
Dora, rainha cafusa de um maracatu
Te conheci no Recife
Dos rios cortados de pontes
Dos bairros, das fontes, coloniais
Dora, chamei
Ô Dora !.... Ô Dora !
Eu vim á cidade
Pra ver você passar
Ô Dora...
Agora no meu pensamento eu te vejo requebrando
Pra cá, ora para lá !
Meu bem !....
Os clarins da banda militar
Tocam para anunciar
Sua Dora agora vai passar
Venham ver o que é bom
ô Dora rainha do frevo e do maracatu
Ninguém requebra nem dança
Melhor que tu.

Morte

Dorival Caymmi morreu no dia 16 de agosto de 2008.
Saudades da Bahia ( Dorival Caymmi)

Ai, ai que saudades eu tenho da bahia
Ai, seu eu escutasse o que mamãe dizia
“ Bem não vai deixar a sua mãe aflita
A gente faz o que o coração dita
Mas esse mundo é feito de maldade e ilusão
Ai, se eu escutasse hoje não sofria
Ai, esta saudade dentro do meu peito
Ai. se ter saudade é ter algum defeito
Eu, pelo menos, mereço o direito
De ter alguém com quem eu possa me confessar
Ponha-se no meu lugar
E veja como sofre um pobre infeliz
Que teve que desabafar
Dizendo a todo mundo o que ninguém diz
Vejam que situação
E vejam como sofre um pobre coração
Pobre de quem acredita
Na glória e no dinheiro para ser feliz

Dorival Caymmi 

segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

Lupicínio Rodrigues


Lupicínio Rodrigues

Cadeira Vazia (Lupicínio Rodrigues- Alcides Gonçalves)

Entra meu amor, fique á vontade
E diz com sinceridade o que desejas de mim
Entra, podes entrar, a casa é tua
Já que cansaste de viver na rua
E teus sonhos chegaram ao fim
Eu sofri demais quando partiste
Passei tantas horas tristes
Que não gosto de lembrar esse dia
Mas de uma coisa podes ter certeza
Teu lugar aqui na minha mesa
Tua cadeira ainda está vazia
Tu és a filha pródiga que volta
Procurando em minha porta
O que o mundo não te deu
E faz de conta que sou teu paizinho
Que há tanto tempo aqui ficou sozinho
A esperar por um carinho teu
Voltaste, estás bem, estou contente
Só me encontraste um pouco diferente
Vou te falar de todo o coração
Não te darei carinho nem afeto
Mas para te abrigar podes ocupar meu teto
Pra te alimentar podes comer meu pão

Vida

Lupicínio Rodrigues nasceu no bairro de de Ilhota em Porto Alegre no dia 16 de setembro de 1914. Era filho de Francisco Rodrigues que trabalhava como agregado do desembargador André da Rocha na portaria da Escola de Comércio. A mãe, Dona Bega, era lavadeira.
Lupicínio era de uma família de vinte e um irmãos. O pai lhe deu este nome em homenagem a um dos heróis da Primeira Guerra Mundial iniciada no ano em que Lupicínio nasceu.
André da Rocha pagou os estudos de Lupicínio que estudou em bons colégios. Morava numa casa simples mas que dava conforto a imensa prole com direito a ter um pátio com galpão e parreira.
Aos 12 anos completou primário, já fazendo música e jogando bola. Preocupado o pai o matricula num curso profissionalizante de mecânico onde ele sai aprendiz em uma oficina de bondes. Também ajudava no orçamento de casa trabalhando como vendedor ambulante, mandalete ( o boy da época) e operário.
Fazia parte da Bandinha Furiosa formada por músicos que tinham todos pelos menos 20 anos a mais do que ele. No carnaval a a bandinha mudava o nome para Bloco do Moleza e é onde vai estrear ao 13 anos de idade, o compositor Lupicínio Rodrigues com a marchinha “ Carnaval” em 1927.
Tinha um desempenho vocal tão bom que foi contratado pelo já profissional Conjunto Catão. O pai sente que a vocação artísticas do filho é séria e tenta tirá-lo desta vida antes que seja tarde; altera a data de nascimento do filho de 15 para 18 anos e o põe no serviço militar a fim de que se tornasse militar. Mas não adiantou nada.

Fatos marcantes

A primeira musa das muitas mulheres que o compositor teve foi Inah habitante da bucólica Santa Maria cidade a trezentos quilômetros de Porto Alegre no Rio Grande do Sul.
Lupicínio foi enviado para esta cidade do Rio Grande do Sul por causa de indisciplina. Passou bêbado e fantasiado ( estava de serviço) em frente ao quartel em pleno Carnaval.
A família de Inah começou a se desesperar com a incorrigível boêmia do pretendente. Inah intima Lupicínio a casar-se com ela. Lupicínio diz não. Muito ofendida Inah casa-se com outro.
E ainda houve o casamento meteórico de viúvo pois Lupicínio teve um casamento com Juraci que estava no leito de morte quando pediu a ele que legalizasse a situação com ela para legalizar a situação da filha que tivera com o compositor.
Mais tarde o compositor casou-se com Cerenita moça que conheceu em Santa Maria quando ela era muito jovem que lhe deu o primeiro filho homem: Lupicínio Rodrigues Filho.
O compositor foi convidado a compor o hino do Grêmio Football Porto Alegrense time do coração. Inspirou-se em uma greve de operários com o mote “ Até a pé nós iremos para o que der e vier” e o que era tema de momento acabou virando o hino oficial do clube.
O compositor também foi dono de restaurantes e churrascarias Em tempos de mudar de vida ele abre a primeira das tantas casas noturnas que teria a churrascaria Jardim da Saudade. Além disso muito interessado no tema dos direitos autorais torna-se representante regional da SBACEM ( Sociedade Brasileira de Autores, Compositores e Escritores de Música), função que exercerá pelos vinte e oito anos seguintes.
Os parceiros do compositor foram Alcides Gonçalves com quem compôs “ Cadeira Vazia”, “ Castigo “ “ Maria Rosa “ e Felisberto Martins. Com esse deu-se um fato curioso; além de parceiro Felisberto era o diretor artístico da maior rival da Victor a Odeon, E um grande “comprositor”. Tornou-se com a compra de parcerias coautor de dezenas de canções sem jamais ter escrito uma linha ou uma nota delas. Só com Lupicínio são pelo menos vinte canções. Era um acerto tão objetivo de troca de favores que só depois de dois anos a os dois parceiros tiveram o primeiro encontro.

Esses Moços

Lupicínio compôs 'Esses Moços” para convencer o amigo Hamilton Chaves a não casar. O que lhe valeu a eterna antipatia da futura esposa do parceiro.
A letra é a seguinte :

Esses Moços ( Lupicínio Rodrigues)

Esses moços, pobre moços
Ah se soubessem o que eu sei
Não amavam, não passavam
Aquilo que eu já passei
Por meus olhos, por meus sonhos
Por meu sangue, tudo enfim
É que eu peço a esse moços
Que acreditem em mim
Se eles julgam
Que ha um lindo futuro
Só o amor
Nesta vida conduz
Saibam que deixam o céu
Por ser escuro
E vão ao inferno
Á procura de luz
Eu também tive
Nos meus belos dias
Esta mania que muito me custou
Pois só as mágoas que eu trago hoje em dia
E estas rugas
Que o amor me deixou
Esse moços, pobres moços
Ah, se soubessem o que eu sei.

Vingança

A famosíssima Vingança foi composta em 1951. Ganhou fama internacional graças á versão em espanhol, gravada em ritmo de tango por vários artistas argentinos.
A letra é forte e muito humana provocando profunda comoção em que a ouvia. Também seu teor parece com os das pragas bíblicas ainda que se tenha que ressaltar a coloquialidade do texto. Quase uma carta.
A canção ficou muito famosa na voz da cantora Linda Batista.

Vingança (Lupicínio Rodrigues)

Eu gostei tanto
Tanto, quando me contaram
Que lhe encontraram
Bebendo e chorando
Na mesa de um bar
E que quando os amigos
Por mim perguntaram
Um soluço cortou sua voz
Não lhe deixou falar
Mas eu gostei tanto
Tanto, quando me contaram
Que tive mesmo que fazer esforço
Para ninguém notar
O remorso talvez seja a causa
Do seu desespero
Você deve estar consciente do que praticou
Me fazer passar esta vergonha
Com um companheiro
E a vergonha
É a herança maior que meu pai me deixou
mas enquanto houver força em meu peito
Eu não quero mais nada
Só vingança, vingança, vingança.
Aos santos clamar
Você há de rolar entre as pedras que rolam na estrada
Sem te nunca um cantinho de seu
Para poder descansar.

A partir daí, pelos dez anos seguintes Lupicínio será um dos compositores de maior sucesso e prestígio em todo o pais desmentindo o fato de que para ser famoso e conhecido o compositor tinha que ser carioca ou paulista.
Mas aí veio anos 60 e o compositor caiu no ostracismo. Até o próprio filho não acreditava que o pai tinha sido um artista.
A música de Lupicínio resumia todas as patologias e neuroses que a geração da década de 60 queria esquecer. O golpe definitivo da realidade se dá em 1967 quando inscreve a saudosista “ No Tempo da vovó” no II Festival Internacional da Canção, o Fic e não é sequer classificado. O clima estava mais para compositores mas novos e de acordo com a nova realidade do para um cinquentão lembrando do tempos da avó.
A saída do compositor do ostracismo de deveu ao poetas concretistas Augusto e Haroldo de Campos mais Décio Pignatari que escrevem um artigo surpreendente sobre o compositor, Tendo conhecido o compositor em Porto Alegre ficaram surpresos com a inexistente fronteira entre o sublime e o grotesco na obra do compositor.
Apesar de apenas alguns intelectuais da época terem dado atenção ao artigo, este se mostra profético e ajudaria o compositor num futuro próximo.
Foi quando João Gilberto depois de anos no exterior grava “ Quem Há de Dizer “ uma canção de Lupicínio em 1971. Depois Caetano Veloso influenciado por João Gilberto volta do exílio londrino cantando “ Volta “ outra canção de Lupicínio. Caetano Veloso então passa a divulgar a obra do compositor. Gravando “ Felicidade” ,outra canção de Lupicínio.
Por fim a grande cantora Elis Regina, também gaúcha criada em uma Porto Alegre bem diferente da que Lupicínio vivera grava duas de suas canções “Cadeira Vazia e Maria Rosa.
Mas a vida do compositor já estava chegando ao fim. As gravações de Elis e Caetano são uma das duas últimas notícias que recebe.
O compositor morreu de insuficiência cardíaca decorrente de diabetes no dia 27 de agosto de 1974. depois de uma semana internado na Unidade de Tratamento Coronário do Hospital Ernesto Dornelles. Já estava mal quando o filho lhe traz a notícia : Pai, “ Felicidade” ( na versão de Caetano) tá estourando na parada de sucessos ! “ Ele ainda tem forças para retrucar: Finalmente estão reconhecendo de novo o velhinho...”
Foi velado no estádio Olímpico do seu amado Grêmio com a bandeira do time cobrindo o caixão.


sexta-feira, 15 de dezembro de 2017

Waldir Azevedo


Waldir Azevedo

Vida

O compositor Waldir Azevedo nasceu no Rio de Janeiro no dia 27 de janeiro de 1923 no subúrbio carioca da Piedade, entre Meier e Cascadura. Seus pais eram Walter, funcionário da Light e Benedita Azevedo. O pai, como já foi dito, era funcionário da Light, companhia responsável pelo fornecimento de eletricidade e pelos bondes que circulavam no Rio de Janeiro.
Seus pais desejavam que ele fosse sacerdote, atividade para a qual não sentia a menor vocação. O menino queria ser aviador.
Mas aviação acabou por perder Waldir. Às vésperas do Carnaval de 1933, o menino que tinha acabado de completar dez anos despertou para a música se interessando por uma flautinha de lata que um vizinho cujo apelido era Marreco tocava. Para arrecadar fundos e comprar o instrumento, Waldir pegou uns passarinhos e os vendeu na feira do subúrbio vizinho do Engenho de Dentro. Acabou por adquirir a flauta e levou-a consigo para o Jardim do Meier e lá chamou a atenção executando o grande sucesso daquele Carnaval. Tratava-se da marchinha do compositor João de Barro conhecido como Braguinha, intitulada “ Trem Blindado” que trazia um curioso paralelo entre as desavenças de um homem com sua sogra e a revolução constitucionalista de São Paulo, o grande acontecimento do ano anterior.
Na casa de um vizinho o menino ia olhar os saraus e ficava fascinado como o bandolim. Pediu a um bandolinista para experimentar o instrumento e foi constatado que ele levava jeito para a coisa. A notícia chegou ao conhecimento da mãe de Waldir que desafiou o filho dizendo que se ele aprendesse a tocar o “ 'Fado da Severa” ganhava um bandolim.
Waldir aprendeu a tocar o bandolim e ganhou seu primeiro instrumento de cordas. No último ano do curso ginasial, se preparou para o concurso de admissão a aviação militar, na época uma área ligada ao Exército. A decepção veio com o exame médico que indicou que ele tinha uma deficiência cardíaca que o impedia de seguir esta área.
Parece que esta mudança de planos tirou o interesse do adolescente pelos estudos e diante disso seu pai fez o que era comum da época; arranjou um emprego para o filho na mesma empresa que trabalhava, mesmo antes dele completar a maioridade. .Waldir começou no escritório da Light, mas conseguiu depois ficar como apontador, um trabalho externo que não tinha horários fixos e o deixava livre para se dedicar a música.

Casamento

Certa vez andando pelo bairro da Tijuca, Waldir foi apresentado a uma moça que acabaria se tornando sua futura esposa. Ela se chamava Olinda Barbosa.
Em setembro de 1944, ficaram noivos. Casaram-se em janeiro do ano seguinte., no dia do aniversário de Waldir.
A época em que foi realizado o casamento era muito dura e difícil pois era a época da Segunda Guerra Mundial e o jovem casal foi morar em um quarto dos fundos da casa dos pais da Waldir, na Rua Oliveira, no Meier, uma ladeira transversal à Rua Dias da Cruz, a principal do bairro, em frente a um cinema chamado Imperador.
A situação difícil levou Waldir a usar seu bom ouvido em outra atividade que nada tinha de musical. Ele trabalhou por um tempo como recepcionista numa oficina que consertava os utilitários e caminhões da marca Nash. Bastava dar uma volta com o veículo que na volta dizia, pelos ruídos que escutava, qual era o problema mecânico.
Waldir e Olinda tiveram duas filhas chamadas Miriam e Marli.

Primeiro Emprego

O casamento trouxe muita sorte ao noivo pois Waldir foi convocado para fazer um teste na Rádio Clube do Brasil e com a perspectiva de um emprego que lhe pagaria o dobro do da Light. A oportunidade surgiu a partir da saída do conjunto dirigido pelo flautista Benedito Lacerda, o mais prestigiado regional da época, da Rádio Clube.
O primeiro emprego de Waldir no ramo da música aconteceu quando o diretor da Rádio Clube, Renato Murce chamou o violonista Dilermando Reis e lhe pediu que organizasse um grupo, pois uma emissora da época não podia passar sem um conjunto regional. Esses grupos não necessitavam de arranjos escritos e assim iam improvisando, acompanhando calouros, músicas ainda inéditas tiradas na hora, ou seja, com poucos músicos se preenchiam muitas horas de programação.
Waldir arranjou um cavaquinho emprestado na loja Ao Bandolim de Ouro, com a condição de comprá-lo caso fosse aprovado no teste. E foi se preparar em casa. Aprovado, assumiu o emprego num momento em que Dilermando começava a se destacar como solista de violão. Sendo requisitado para apresentações fora do Rio ,o violonista foi passando o comando do grupo a Waldir e este, com sua fabulosa intuição, ia resolvendo todos os problemas mesmo sem conhecer teoria musical ou ler partituras. Durante os anos que se seguiram, o músico se tornou um profissional capaz de acompanhar dos cantores mais brilhantes aos calouros mais desastrosos.
O grande salto na vida de Waldir no entanto começou a acontecer no dia em que um sobrinho pequeno insistiu para que o tio tocasse alguma coisa com um cavaquinho de brinquedo que só tinha uma corda. Nasceu ali o tema de “Brasileirinho” desenvolvido mais tarde e harmonizado na rádio pelo violonista companheiro de regional, Jorge Santos.
O que o compositor não imaginava é que sua grande chance profissional estava se criando ali mesmo na gravadora Continental alguns andares acima. E foi novamente o compositor Braguinha (o autor da já citada marcha “Trem Blindado”) que precisava de um solista de cordas para recompor seu elenco. Ouvindo o conselho de seu técnico de gravações, o também compositor Norival Reis e de Dilermando, seu contratado, que já havia sobre um choro ligeiro do rapaz do cavaquinho, foi ao auditório da Rádio Clube e ouviu Waldir tocar “ Brasileirinho .O convite para a gravação foi feito na hora e combinaram ainda que um outro choro de Waldir “ Carioquinha” completaria o disco.
Em maio de 1949 e no mês seguinte o disco Continental chegou ao mercado trazendo Carioquinha no lado A e Brasileirinho no B. Era a estreia de um solista, de um compositor e de um som que ninguém jamais havia escutado fora do âmbito da Rádio Clube.
O som era excelente, o disco foi lançado mas nem o mais otimista das pessoas poderia prever o resultado.

Perdas

Waldir Azevedo passou por uma grande sofrimento. Foi quando aconteceu um grave acidente de automóvel na região serrana do Rio envolvendo suas duas filhas. Miriam, a mais velha não sobreviveu.
Para melhorar seu quadro psicológico devido a perda da filha, Waldir ocupou o cargo de vice- presidente da União Brasileira de Compositores..Também começou a ler e escrever música.

Acidente

O compositor também sofreu um grave acidente que quase lhe tirou a possibilidade de tocar seu instrumento.
Ele tinha a mania de consertar coisas. Um dia foi mexer no cortador de grama. Desmontou o aparelho, limpou e lubrificou as peças, desentortou e foi remontando. Quando estava quase no fim foi atender o telefone. De volta, ligou o aparelho e a lâmina que ainda não estava devidamente apertada, saiu do eixo e arrancou a ponta do dedo anular esquerdo, Olina o socorreu e correram para o hospital. Chegando lá o médico perguntou pelo pedaço do dedo e ela respondeu que havia posto no lixo. Seguindo instruções médicas, voltou e pegou o pedaço, que foi reimplantado. A recuperação foi lenta e muito dolorosa
O resultado da recuperação foi um bonito choro chamado “ Minhas Mãos, Meu Cavaquinho” que cita um trecho da Ave- Maria.

O Desafeto

Waldir Azevedo foi o compositor popular de maior sucesso comercial da história da MPB. Mas o seu sucesso incomodou muita gente principalmente Jacob do Bandolim. Este artista, também um dos maiores nomes da música popular brasileira passou a implicar com a música do outro, referindo-se a ela como um amontoado de toleimas de sandices chegando a classificar uma composição de Waldir, um baião chamado “ Delicado” como o marco da deterioração da música popular brasileira.

Morte

Ao completar 57 anos, a saúde de Waldir já não era a mesma. Fumante desde a juventude, tomava remédios para o coração, mas acabou sofrendo a ruptura de um aneurisma abdominal. Após ser transferido de Brasília para São Paulo para ser melhor assistido acabou morrendo em 20 de setembro de 1980, depois de uma semana de hospital.


Luiz Gonzaga


Luiz Gonzaga

Baião ( Luiz Gonzaga- Humberto Teixeira)

Eu vou mostrar para vocês
Como se dança um baião
E quem quiser aprender
É favor prestar atenção
Morena chegue para cá
Bem junto do meu coração
Agora é só me seguir
Pois eu vou dançar o baião
Eu já dancei, balancei
Chamego, samba em Xerém
Mas o baião tem o quê
Que as outras danças não tem
Quem quiser só dizer
Pois eu com satisfação
Vou dançar cantando o baião
Eu já cantei no Pará
Toquei sanfona em Belém
Cantei lá no Ceará
E sei o que me convém
Por isso eu quero afirmar
Com toda convicção
Que sou doido pelo baião.

Vida
O compositor Luiz Gonzaga do Nascimento nasceu na Fazenda Caiçara, no sopé da Serra do Araripe, próximo a Exu, em Pernambuco em 13 de dezembro de 1912. O pai que era sanfoneiro, consertava instrumentos e era agregado da fazenda. Tinha certos privilégios por ser músico e casado com Santana (Ana Batista) que embora de linhagem negra integrava a família dos Alencar, brancos latifundiários de terras na região. O filho de Januário dos Santos foi batizado com os nomes de Luiz porque era dia de Santa Luzia, Gonzaga ( o complemento do nome de São Luiz) e Nascimento por ser o mês em que nasceu Jesus. Cresceu em meio a pouca escola, comida racionada e nove irmãos- cinco dos quais se tornaram sanfoneiros profissionais. Além dos instrumentos que gostava de ver o pai consertar e já começava afinar e tocar, Luiz passou a viajar como ajudante do “ Sinhô” Aires, da família dos proprietários da fazenda. Aprendeu a ler, e do patrão ganhou uma sanfona “oito baixos”- parecida com a de seu ídolo Lampião e também a do pai Januário que o profissionalizou aos 14 anos. Na vida do artista em projeto começaram a aparecer as namoradas e uma delas, Nazarena, de família importante na região encantou Luiz. Mas o relacionamento acabou não indo adiante por causa da oposição do pai da moça. Outro atrito por causa dese fato resultou em uma briga com outro membro importante da família do artista o que acabou alterando a vida de Luiz, que podia ter ficado em Exu, como o pai.
Indo para um centro mais avançado,Luiz Gonzaga vendeu a sanfona e viajou para Fortaleza,, onde se alistou no Exército como voluntário. Chegou a corneteiro de primeira classe em 1933 e ganhou o apelido de Bico de Aço. Serviu durante quase dez anos o tempo máximo permitido mas quando deu baixa já levava um sanfona Horner de 80 baixos comprada com muito sacrifício. Acabou na Zona do Mangue, no Rio, onde fez amizade com o casal Xavier Pinheiro e Leopoldina, a Dina e foi morar com eles no Morro de São Carlos. Tocava e passava o pires e para ampliar o repertório de valsas, choros e foxtrotes recorreu ao mineiro Antenógenes Silva ( 1906-2001) o mais famoso acordeonista da época, que ensinava o instrumento numa percursora escola aberta no bairro do Flamengo.
Asa Branca

Asa Branca ( Luiz Gonzaga- Humberto Teixeira)

Quando olhei a terra ardendo
Qual fogueira de São João
Eu perguntei a Deus do céu, ai
Por que tamanha judiação
Que braseiro que fornalha
Nem um pé de plantação
Por falta d´água perdi meu gado
Morreu de sede meu alazão
Até mesmo a asa branca
Bateu asas do sertão
Então eu disse adeus Rosinha
Guarda contigo meu coração
Quando o verde dos teus olhos
Se espalhar na plantação
Eu te asseguro, não chores não viu
Que eu voltarei viu ,meu coração
Hoje longe muitas léguas
Numa triste solidão
Espero a chuva cair de novo
Para eu voltar pro meu sertão

Parceiros

Um dos parceiros de Luiz Gonzaga foi Humberto Teixeira, nascido em Iguatu, sobrinho de maestro, músico especializado em bandolim e na flauta, cujo nome já frequentava o meio musical carioca. O histórico encontro dos dois, no escritório do médico Teixeira no centro do Rio teria resultado na primeira parceria da dupla a ser gravada por Gonzaga o xote nostálgico “ No meu pé de serra”, Mas a reunião sacramentou o gênero nordestino que eles acharam mais urbanizável. Era o baião.
.Outro parceiro decisivo da segunda fase da implantação da operação nordeste foi o médico Zé Dantas que Gonzaga conheceu ainda estudante no Recife. Nascido em Carnaúba, distrito de Pajeú de Flores, Dantas era um estudioso da cultura da região e admirador do trabalho que Gonzaga fazia ao difundi-la. “Vem morena” foi a primeira da nova dupla e seria gravada em 1950.
Ainda haveria outro parceiro o também pernambucano de Arco Verde, João Silva,homem com uma visão muito experiente da vida como o próprio parceiro, que morou durante 48 anos na periferia carioca.

Família

Luiz Gonzaga casou-se com a contadora pernambucana Helena das Neves Cavalcanti em junho de 1948. Adotou uma menina Rosa Maria, a Rosinha adquiriu bens e trouxe a família de Exu para morar com ele. Teve outro filho de criação Luiz Gonzaga Junior, o Gonzaguinha, também artista .

Ostracismo e Volta Por Cima

Em 1971, Gonzaga tentou uma aproximação com as gerações posteriores no LP “ O canto jovem de Luiz Gonzaga onde escalou de Geraldo Vandré ( Fica mal com Deus) a Tom Jobim e Vinícius de Moraes (a rara toada “ Caminho de Pedra do inicial “ Canção de Amor Demais”) Edu Lobo e Capinam ( “ Cirandeiro”), Gil ( “ Procissão”), Dori Caymmi e Nelson Mota ( “ O cantador”). Criado nos padrões rígidos da cultura interiorana Luiz Gonzaga mudou a letra de ' No dia em que eu vi embora”. As vendagens declinavam e ele satirizou o descompasso com a nova geração em “ Xote dos Cabeludos” (“ Cabra que usa pulseira/ No pescoço um medalhão/ cabra com esse jeitinho/ no sertão de meu padrinho/ cabra assim não tem vez não “ ) com José Clementino.
Mas a desejada volta por cima veio.
A debacle física produzida por um câncer de próstata e consequente metástase já se refletiam na voz cansada das últimas gravações do cantador. Ele morreu no dia de 2 de agosto de 1989., após quase dois meses de internação em Recife, capital de Pernambuco.

Juazeiro ( Luiz Gonzaga- Humberto Teixeira)

Juazeiro, juazeiro
Me arresponda, por favor
Juazeiro, velho amigo
Onde anda meu amor
Ai. juazeiro
Ela nunca mais voltou
Diz, juazeiro
Onde anda meu amor
Juazeiro, não te alembra
Quando o nosso amor nasceu
Toda tarde á sua sombra
Conversava ela e eu
Ai. juazeiro
Como doí a minha dor
Diz juazeiro
Onde anda meu amor
Juazeiro, seja franco
Ela tem um novo amor
Se não tem, porque tu choras
Solidário a minha dor
Ai, juazeiro
Não me deixa assim roer
Ai, juazeiro
Tô cansado de sofrer
Juazeiro, meu destino
Tá ligado junto ao teu
No teu tronco tem dois nomes
Ele mesmo é que escreveu
Ai, juazeiro
Eu num guento mais roer
Ai,juazeiro
Eu prefiro inté morrer
Ai, juazeiro

Luiz Gonzaga