domingo, 24 de dezembro de 2017

Ismael Silva


Ismael Silva

Se Você Jurar ( Ismael Silva-Francisco Alves- Nilton Bastos)

Se você jurar
Que me tem amor
Eu posso me regenerar
Mas se é
Pra fingir, mulher
A orgia assim não vou deixar
Muito tenho sofrido
Por minha lealdade
Agora estou sabido
Não vou atrás de amizade
A minha vida é boa
Não tenho em quem pensar
Por uma coisa á toa
Não vou me regenerar
A mulher é um jogo
Difícil de acertar
E o homem como um bobo
Não se cansa de jogar
O que eu posso fazer
E se você jurar
Arriscar a perder
Ou desta vez então ganhar

Vida
O sambista Ismael da Silva nasceu em Niterói a 35 km do bairro do Estácio, local onde ele e outros sambistas revolucionaram o samba no dia 14 de setembro de 1905. Era o quinto filho do cozinheiro Benjamim da Silva e Emília Correia Chaves. A família vivia em Jurujuba, um povoado de Niterói, na região metropolitana do Rio, constituído em torno de uma praia. Os pescadores eram maioria na pequena população, mas ainda havia funcionários de um cemitério e como no caso de Benjamim, do hospital Paula Cândido, que pertencia a Marinha.
A morte do chefe de família,e m 1908, significou miséria imediata. Em Jurujuba, Emília não podia ficar, pois não eram permitidas mulheres empregadas no hospital, em função de ele ser exclusivo para pacientes masculinos e também não havia como trabalhar no cemitério ou na colônia de pescadores.
Parentes do casal residentes do Rio ajudaram a pagar o enterro e disseram a Emília que para conseguir serviço, ele precisaria mudar de cidade. Diante da dificuldade de sustentar cinco filhos ficou decidido que os quatro mais velhos morariam com familiares e apenas Ismael de três anos, ficaria com a mãe. Ela e o caçula se mudaram para o Estácio e os outros foram viver em bairros próximos.
Lavando roupa para fora, Emília sustentou a infância de Ismael, pobre mas sem privações. O que a mãe não considerava prioridade era estudar coisa, segundo ela, só para privilegiados.
Mas mesmo assim o menino Ismael manifestou desejo de estudar e um dia foi a uma escola pedir isso. De tanto insistir, acabou conseguindo. Sempre de acordo com o compositor, Ismael assombrou a todos com sua capacidade de aprender, tendo se alfabetizado rápido e até ajudado colegas com maior dificuldade. Dizia que ao voltar para casa, não queria saber de brincar, só de estudar. E costumava ser o primeiro aluno em todas as matérias.
Fato é que estudou até os 18 anos, concluindo o então curso ginasial. Não chegou a tentar vira doutor, pois além das dificuldades financeiras e até raciais da época já estava muito envolvido com samba, querendo se tornar compositor. E á sua maneira, malandro.

Antonico

O compositor passou por uma fase muito difícil em sua vida. Tamanha miséria e privação moral e financeira foi refletida na música “Antonico”. Ismael passou a vida inteira negando que a música fosse autobiográfica mas é impossível não relacionar a situação do compositor na época com o período em que a música foi composta.

A letra é a seguinte:

Antonico ( Ismael Silva)

Ô Antonico vou lhe pedir um favor
Que só depende da sua boa vontade
È necessário uma viração pro Nestor
Que está vivendo em grande dificuldade
Ele está mesmo dançando na corda bamba
Ele é aquele que na escola de samba
Toca cuíca, toca surdo e tamborim
Faça por ele como se fosse por mim
Até muamba já fizeram para o rapaz
Porque no samba ninguém faz o que ele faz
Mas ei de vê-lo bem feliz se Deus quiser
E agradeço pelo que você, fizer, meu senhor.

Um fotógrafo, grande amigo do compositor o viu em shows batendo no peito quando a plateia gritava Nestor em referência a ele. No livro Pixinguinha- Filho de Ogum Bexiguento ( 1979) Marília T. Barboza da Silva e Arthur L. de Oliveira Filho revelaram uma carta de 10 de maio de 1939 assinada por Pixinguinha- mas talvez escrita por Ismael em que se pedia ao musicólogo Mozart de Araújo um emprego para o compositor do Estácio. “ Espero que o que puder fazer pelo Ismael seja como se fosse por mim” é a última frase da carta quase copiada em Antonico.
O declínio e sofrimento foi além. Ismael resolveu tirar satisfação com Edu Motorneiro, valentão que fizera um gracejo grosseiro para sua irmã Orestina. Consciente da disparidade de forças, levou um revólver. Acertou dois tiros nas nádegas de Edu e foi detido. Seu admirador Prudente de Morais Neto advogado e jornalista, o defendeu e conseguiu pena mínima, de cinco anos. Após cumprir a metade, Ismael foi solto por bom comportamento.
No presídio Frei Caneca, no centro do Rio, chegou a dar entrevistas queixando-se do esquecimento e falando dos artistas preferidos. Entre eles estava Francisco Alves. Ismael nunca explicou minuciosamente mágoa que passou a sentir. Não ter sido procurado pelo cantor nesse momento difícil pode ter sido um dos motivos. Ele e o cantor foram parceiros em músicas e Chico Alves extremamente esperto aproveitou-se da músicas e da situação do parceiro. Veio daí a percepção do compositor que ele perdia dinheiro com a parceria. Nos relatos futuros atribuiu para si um papel de herói da resistência de quem rompeu com uma situação de exploração financeira e de humilhação. E ele, um tanto por necessidade e outro tanto por deslumbre foi uma espécie de secretário de Chico durante os sete anos em que o acordo ignorou. Andava com “ O Rei da Voz” para todos os lados de alguma forma servia-o, gostava de usar joias vistosas e houve quem, como o cantor Cyro Monteiro, afirmasse que ficou esnobe. Vaidoso desde sempre, Ismael se atrapalhou no relacionamento com Chico, que era extremamente esperto. Mas construiu com a ajuda dele, uma grande obra até 1935.
No mesmo ano,o compositor teve um romance com a passista Diva Lopes Nascimento, do qual nasceu sua única filha Marlene, que ele nunca registrou e com quem pouco conviveu. Ela lhe daria quatro netos. Como de hábito não falava da história com clareza. Dizia que o relacionamento durara só um mês e que acabara porque Diva o traía. Como se tornou uma pessoa reclusa após a prisão, acostumou-se a receber de jornalistas perguntas sobre sua vida amorosa, como se ainda pretendia casar. A resposta era afirmativa.
A reclusão e a consequente perda de traquejo social podem ter contribuído para que sua fala ficasse mais empolada como o tempo. Tinha uma forma muito peculiar de se expressar e pronunciava as palavras com vagueza para administrar a gagueira.
Foi com muita dificuldade que ele tentou se sustentar ao sair da prisão. Já tivera emprego regular como auxiliar do escritório de advocacia e segurança da Central do Brasil. Tentou sem êxito junto a conhecido importantes ser meirinho no Tribunal de Justiça. A condição de ex- presidiário não ajudava. Na música conseguiu se gravado por Aurora Miranda, Cyro Monteiro, Moreira da Silva, Nelson Gonçalves e não mutos outros, mas sem voltar a se fazer notar.
Os últimos anos de Ismael foram vividos entre o reconhecimento de sua importância por colegas de profissão, as dificuldades financeiras e a piora da saúde. Em 1966 Sérgio Cabral liderou uma campanha vitoriosa para transformá-lo em Cidadão Samba, título então importante. Em 1963 e 1964 foi reverenciado no Zicartola, o restaurante/ casa criado por Cartola e sua mulher Zica no centro do Rio. Cantou várias vezes no local e se empolgava com a admiração dos jovens, chegando a superar seu jeito antissocial e ir a a apartamentos participar de rodas musicais, nas quais, vaidoso, preferia ser o último a cantar.
O reconhecimento tardio da obra de Ismael por outros artistas da música popular brasileira comovia Ismael, mas não eram suficientes para lhe dar condições de sair da casa de cômodos em que vivia na Lapa, centro do Rio. Tinha vergonha do lugar- do qual ainda sofria ameaças de despejo por atraso no pagamento- e preferia receber amigos e jornalistas num bar próximo. Gostava mesmo de ir á Igreja Messiânica do Grajáu ( zona norte) que frequentava assiduamente desde 1969.
Em 19 de dezembro de 1977, Ismael foi para o Hospital da Lagoa, na zona sul do Rio, para tentar se livrar de um mal que o incomodava havia 15 anos: uma úlcera varicosa nas pernas. A cirurgia foi bem sucedida mas a recuperação foi lenta e outros procedimentos eram previstos como a retirada da próstata. Às vésperas do Carnaval teve um infarto.
Ismael Silva faleceu no dia 14 de março de 1978. Foi enterrado no cemitério do Catumbi, perto do bairro que ajudou a pôr na história da música.

Ismael Silva 

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