terça-feira, 18 de agosto de 2015

Cartola

Cartola

Dentre as dezenas de sambistas com obra de qualidade superior, Cartola ocupa uma posição singular. As características de suas músicas as tornam facilmente identificáveis mesmo por quem desconhece sua autoria.
Com pouca educação formal, Cartola aperfeiçoou sua verve poética lendo poetas como Castro Alves, Gonçalves Dias, Olavo Bilac e Guerra Junqueiro, o seu preferido. Com nenhuma educação musical suas composições surpreendem pelas linhas melódicas que percorrem caminhos absolutamente pessoais, peculiares.
Poeta do lirismo sua obra mostrava a realidade, a dureza da vida como consta na seguinte letra:

O Mundo é um Moinho

Ainda é cedo, amor
Mal começaste a conhecer a vida
Já anuncias a hora de partida
Sem saber mesmo o rumo que irás tomar
Preste atenção, querida
Embora eu saiba que estás resolvida
Em cada esquina cai um pouco a tua vida
Em pouco tempo não serás mais o que és
Ouça- me bem amor
Preste atenção, o mundo é um moinho
Vai triturar teus sonhos tão mesquinho
Vai reduzir suas ilusões a pó.
Preste atenção querida
De casa amor tu herdarás só o cinismo
Quando notares estás a beira do abismo
Abismo que cavaste com teus pés.

Vida

O avô do compositor, Luis Cipriano mudou-se junto com a esposa para o Rio de Janeiro para servir como cozinheiro de Nilo Peçanha , deputado da Constituinte de 1890 e, a partir de 1903 senador da República e mais tarde vice-presidente da República completando o mandato do presidente Afonso Pena, falecido em 1909.
O casal Cipriano Gomes trouxe com eles sua única filha Aída e logo depois junto com eles um parente distante, Sebastião Joaquim de Oliveira, o futuro genro. Após o casamento ,os filhos começaram a vir em ritmo regular. Primeiro, duas filhas depois o Agenor a quem se seguiram mais sete irmãos.
O nome completo do compositor era Angenor de Oliveira.
A mãe de Cartola engravidou deste no período do Carnaval. O compositor nasceu no dia 11 de outubro de 1908 no dia da festa da Penha a mais importante e popular da época.
Em 1916, quando Cartola tinha oito anos, a família se mudaria para a rua das Laranjeiras, numa vila para os operários da Fábrica de Tecidos Aliança. Nas redondezas, estava sendo construído o estádio de sue time de coração, Fluminense.
Tudo era felicidade na fase inicial da vida de Cartola. Um avô que o adorava e protegia o neto, uma família unida. Antes de seu avô morrer não havia menino mais bem vestido do que ele.
E foi justamente pelas mãos do Rancho dos Arrepiados, um dos dois que reunia os operários da fábrica e o preferido de sua família que Cartola foi apresentado ao samba. O rancho adotou as cores verde e rosa que anos mais tarde serviriam de inspiração para Cartola elegê-las como as cores da Mangueira. A família inteira saia no bloco- mãe, irmãos e o pai tocando cavaquinho.
Esta vida razoavelmente organizada sofreu uma reviravolta com a morte do avô. A família composta por pai, mãe e 6 filhos com Cartola com onze anos de idade teve que se mudar dessa vez para o morro da Mangueira, cuja favela não registrava mais do que cinquenta barracos, a primeira estação da Estrada de Ferro II. O aperto financeiro da família, agravado pela chegada de mais três filhos, obrigou o carpinteiro Sebastião a botar seu filho mais velho para procurar emprego, exigindo-lhe todo o salário no final do mês. Começaram ai os primeiros conflitos entre pai e filho com a mãe sempre defendendo o filho predileto.
O primeiro trabalho foi numa tipografia. Mas ele abandonava os trabalhos que arranjava com frequência metódica e ia se juntando com as bocas e os malandros, guiado pela mão de seu primeiro amigo no morro e parceiro de toda a vida Carlos Cachaça, seis anos mais velho.
Veio de um de seus empregos o nome Cartola. Admirado com sucesso dos pedreiros de uma obra por onde passava a caminho do trabalho em uma gráfica, com as garotas, Cartola decidiu ser pedreiro também. Para evitar que o cimento lhe caísse nos cabelos passou a usar um chapéu coco e não apenas nos horários de trabalho. O apelido permaneceu pelo resto da vida.
Pai e filho tinham gosto pela arte. Por volta de 1923, estudavam no Liceu de Artes e Ofícios. Ou melhor apenas um dos dois já que Cartola esperava o pai subir para sua sala e ia procurar assuntos mais interessantes na rua. Ao final da aula, Cartola esperava o pai do lado de fora. A trapaça só foi descoberta no final de ano, com a previsível reprovação do garoto.
Em 1926, aconteceu a tragédia que marcaria a primeira fase da vida de Cartola: a morte da mãe em consequência de um parto.
Cartola passou a sentir algo estranho, sofreu muito com a morte da mãe.
Dias depois, seu pai o expulsava de casa.

Deolinda

Sem casa, sem família, não restavam muitas opções para Cartola. Perambulava pelo morro, dormia no trem, indo até a estação final.de Dona Clara e fazendo o percurso de volta durante a noite inteira, Descobriu a zona do meretrício onde se relacionou com várias mulheres contraindo todas as doenças venéreas possíveis.
No barraco que havia conseguido emprestado, derrubado pela fome e pelas doenças, Cartola chamou a atenção de sua vizinha, casada, com 25 anos e uma filha. Dona Deolinda passou a cuidar do garoto como uma mãe dava remédio, fazia sopa, lavava sua roupa. Quando os sentimentos que ambos sentiam um pelo outro evoluíram para sentimentos que um homem sente por uma mulher , o marido de Deolinda, Astolfo se revoltou e deixou a esposa. Deixou para Cartola mulher, a filha Ruth e o sogro Pau do Mato, um ex- escravo. Aos 18 anos, Cartola era chefe de família.
Chefe em termos. Não havia nenhuma dúvida que a personalidade dominadora e preponderante era a de Deolinda. Até porque o repeitado pedreiro Cartola não era muito chegado ao batente, preferindo consumir bebida alcoólica, tocar violão e fazer sambas. No final da década de 20 estavam incorporados ao barraco uma tia de Deolinda, um primo, um irmão e um amigo de Cartola, além de uma moça que não tinha onde morar. Lavando roupa, era Deolinda que sustentava a casa.
Anos mais tarde, tuberculoso e abandonado, Astolfo seria acolhido em casa por Cartola, todo dia punha-o para tomar sol, comprava-lhe cigarros até lhe dava banho.

A Fundação da Estação Primeira de Mangueira

Cartola e um punhado de amigos resolveram fundar um bloco, que estimulasse a farra, o desfile no morro e bairros vizinhos e se espalhasse até a Praça Onze e Botafogo. Estavam dispostos a brigar, ser presos, bater, apanhar. O Bloco dos Arengueiros e seus componentes, no entanto também eram bons de samba. Não demorou muito para que sete deles decidissem fundar uma escola de samba. No dia 28 de abril de 1928, na casa de um dos Arengueiros, em Mangueira foi fundada a Estação Primeira de Mangueira cujos fundadores foram Euclides Roberto dos Santos, Saturnino Gonçalves, Angenor de Oliveira (Cartola), Marcelino José Claudino ( Massu). José Gomes da Costa ( Zé Espinguela),Pedro Caim e Abelardo da Bolina. A escola com o passar do tempo, ganhou fama internacional.
Nos anos seguintes, o diretor de harmonia Cartola, com diversos parceiros, forneceu os sambas cantados pela Mangueira nos desfiles.

Decadência

A tragédia mais uma vez estava no caminho de Cartola. Em 1946 ele contraiu meningite. Durante um ano cuidado com doses maciças de penicilina e pelos cuidados de Deolinda Cartola chegou a beira da morte. A recuperação gerou um dos clássicos do compositor “ Grande Deus” (“ Deus , grande Deus/ meu destino bem sei foi traçado pelos dedos teus/Grande Deus, de joelho seu voltei para e implorar/ Perdoai-me se errei um dia(...)/ Julguei Senhor, daquele sono jamais despertaria/ Se errei, perdoai-me pelo amor de Maria.
A doença seguiu-se a perda decisiva. Deolinda, que já apresentava alguns indícios de doença cardíaca, morreu enquanto lidava com as tarefas de casa. Viúvo, desprezado pela escola que havia ajudado a fundar, Cartola sumiu do morro, parou de tocar e compor.
Esse período da vida de Cartola durou seis anos. Ele acabou por arrumar uma nova mulher, Donária e mudou-se com ela para Nilópolis, na Baixada Fluminense. O s poucos amigos que conviveram com ele neste período de decadência dão depoimentos muito negativos. Cartola estava depauperado fisicamente e emocionalmente. Muito magro, sem dentes, consumia dois litros de cachaça em édia por dia. Quem o acudiu neste período difícil foi o velho amigo Carlos Cachaça que logo se tornaria seu concunhado.
Graças a jornalistas como Sérgio Porto um dos mais conceituados jornalistas do país e um dos colunistas mais lidos nos jornais do Rio além de uma das principais figuras do humor nacional pois escrevia textos humorísticos sob o pseudônimo de Stanislaw Ponte Preta e ao cartunista Lan e principalmente a uma pessoa que seria figura importantíssima na vida do compositor uma mulher chamada Zica , a Dona Zica irmã de Menina por sinal irmã de Carlos Cachaça, conhecida de Cartola desde menina.
O episódio confirma famoso ditado de que atrás de um grande homem existe uma grande mulher. Porque Zica aceitou o compositor no estado em que estava e assim começou o lento processo de ressurreição de Cartola..

A Ajuda dos amigos

O primeiro emprego relativamente estável de Cartola foi o de lavador de carros em Ipanema.
Sergio Porto encontrou o compositor em um bar e teve confirmação; era mesmo o Cartola da Mangueira. Descoberto este fato o jornalista saudou a descoberta em sua coluna e reclamou do desinteresse de cantores e fábricas de disco pela obra do mestre. Levou-o para trabalhar na Rádio Mayrink Veiga, onde tinha um programa. Com a ajuda de Lan e de seu tio Lúcio Rangel- famoso crítico, musicólogo e mais antigo ainda admirador de Cartola levou-o a jornais, programas de rádio, bares , restaurantes.
As tentativas de ajuda vinham também de políticos e funcionários públicos graduados tais como Ivete Vargas, filha do presidente Getúlio Vargas que recomendou-o a um emprego. O compositor não conseguiu o emprego por causa do alcoolismo. Guilherme Romano, que era médico famoso, dono de hospital e político conseguiu que o governo montasse uma barraca da Cofap ( um armazém que vendia alimentos básicos a preços subsidiados) na Mangueira. Zica e Cartola tomavam conta do estabelecimento. Com a extinção da Cofap, arrumaram para Cartola o cargo de servente no ministério do Trabalho, Indústria e Comércio. Após uma reorganização ministerial, ele foi para Ministério de Indústria e Comércio agora com o cargo de funcionário de representação, que consistia basicamente em servir cafezinho no gabinete do ministro.
Por interferência de outro funcionário público, Mário Saladini, diretor do Departamento de Turismo, Cartola e Zica conseguiram mais um trabalho; zeladores de um prédio desapropriado no centro da cidade, onde ocupavam o segundo andar como moradia. Zica fornecia almoço durante o dia, marmita para os motoristas de ônibus e cobradores da região no período noturno e uma sopa para os participantes das reuniões da Associação das Escolas de Samba que ocupavam o primeiro andar.

O Zicartola

A casa passou a ser ponto de encontro dos amigos sambistas tais como Nelson Cavaquinho, Zé Keti, Nelson Sargento, Elton Medeiros a um futuro astro da bossa nova chamado Carlos Lyra. A casa se tornou a mais prestigiada casa de samba do Rio de Janeiro nos anos 60. Era o Zicartola
A idéia foi de Eduardo Agostini- bem-sucedido homem de negócios, dono da caderneta de poupança Cofrelar que era apaixonado por samba e queria montar um botequim onde o errado era não poder cantar , não poder batucar. E principalmente dar a Zica( sócia no empreendimento e chefe de cozinha) e Cartola ( responsável pela música) um negócio próprio que servisse para lhes equilibrar as finanças.
Com o nome de Zicartola, inventado pelo compositor, rapidamente o sobradinho da rua da Carioca n 53 transformou-se no programa maia quente da noite do Rio, tanto para sambistas pobres ou remediados de toda a cidade como para admiradores vindos da rica Zona Sul. A princípio restrita ás noites de segunda-feira, logo as rodas de samba se ampliaram para as quartas-feiras. Zé Keti se encarregava na divulgação na imprensa carioca., Hermínio Bello de Carvalho inventou a Ordem da Cartola Dourada concedida a grandes nomes da música popular brasileira. Os primeiros que receberam o prêmio foram Lindaura Rosa, viúva de Noel Rosa numa homenagem póstuma ao compositor e o cantor Ciro Monteiro. Albino Pinheiro comandava as noite de quarta.
O grupo da casa reunia alguns dos melhores sambistas da época: o próprio Cartola, Nelson Cavaquinho, João do Valle, Zé Keti, Pandeirinho, Ismael Silva e até um jovem em vias de abandonar sua profissão de bancário, que viria a se tornar famoso como Paulinho da Viola.

Dona Zica
A preocupação de Cartola com a segurança financeira de Zica era constante, segundo diversos amigos. E um dia o compositor disse a companheira: Zica nós já vivemos juntos há doze anos. Você está viúva, eu também. Que tal se nós nos casarmos ?
Ao levar os documentos necessários para o casório, Cartola descobriu que o funcionário do cartório grafara seu nome como Angenor.
A cerimônia foi realizada na Paróquia de Nossa Senhora da Glória, no dia 23 de outubro de 1964. Cartola tinha acabado de completar cinquenta e seis anos e Zica cinquenta e um. Na véspera, deu de presente para a futura esposa um de seus mais lindos sambas “ Nós Dois” Um samba em que jura fidelidade a futura esposa ele que em outro samba confessara abertamente seus amores passados. O casamento durou até a morte de Cartola.
Foi também graças a Zica que Cartola acabou por reconciliar-se com o pai que o aceitou de volta.

Morte

Na década de 70 Cartola excursionou pelo país na companhia de João Nogueira pelo projeto Pixinguinha, uma iniciativa da Funarte que juntava dois grandes artistas para excursionar por todo o Brasil. E foi em Curitiba que o compositor recebeu a notícia da morte do pai. Extremamente profissional, fez o show de noite, tomou um avião para o Rio na manhã seguinte, assistiu ao enterro do pai e à noite estava de volta a Curitiba para nova apresentação.
O sucesso artístico, o reconhecimento nacional, o conforto financeiro, eram contrabalançados pelo estado precário de sua saúde.Os milhares de cigarros, os hectolitros de álcool, começavam a apresentar a conta Ainda em 1977, depois de um show em Belo Horizonte, um médico amigo percebeu uma saliência no pescoço de Cartola. Aconselhou um exame mais apurado. A atribulada agenda profissional e o descaso com a própria saúde adiaram a recomendação por quase dois meses. Examinado, o quisto revelou-se um câncer na tireoide. Á operação deveriam se seguir uma série de aplicações de cobalto. Cartola não fez nenhuma. Três meses depois, um derrame cerebral levaria o compositor novamente ao hospital. Menos de dois anos após a primeira operação, o câncer voltou e uma outra operação se fez necessária. Dessa vez, Cartola se submeteu a radioterapia, mas as sequelas do tratamento eram terríveis, os acessos de vômitos constantes. Mais alguns meses, nova internação para controlar uma forte hemorragia no estômago.
Cartola faleceu no dia 30 de novembro de 1980.




quinta-feira, 23 de julho de 2015

Chiquinha Gonzaga

Chiquinha Gonzaga

O período histórico do Brasil conhecido como Segundo Reinado que durou meio século de 1840 a 1889 delimita um dos períodos mais ricos e controversos da história do Brasil. Foi um período de profundas mudanças políticas, sociais e econômicas que atingiram o pais e principalmente o Rio de Janeiro, sede do Império. Surgia uma classe média ainda que muito incipiente. Novidades tecnológicas como o lampião de gás e o bonde puxado a burros tornavam possível a boemia. Os novos intelectuais brasileiros discutiam idéias abolicionistas e liberais noite adentro. O Brasil deixava gradativamente de ser ou branco colonizador ou negro escravo para ser mais mestiço e livre.
A compositora Chiquinha Gonzaga nasceu neste contexto histórico no dia 17 de outubro de 1847. Era filha do militar José Basileu Nevez Gonzaga e de Rosa de Lima Maria. Seus pais no entanto não eram casados oficialmente prática que se tornara comum no Rio de Janeiro da época mesmo sob desaprovação moral e religiosa.
No parto da criança aconteceram complicações que colocaram a criança em risco. O batizado foi feito de imediato pois se temia o pior. A menina foi chamada de Francisca Edwiges e jé veio ao mundo enfrentando luta o que seria uma constante em sua vida. Pelos registros paroquiais sabe-se que a “família” residia na freguesia de Santana área próxima ao centro do rio.

Personalidade

Para uma mocinha bem comportada da época do Segundo Reinado a educação era imposta a mulher visando a um bom casamento. Para educara sua filha Francisca, José Basilleu contrata o cônego Trindade para as áreas de leitura, escrita, cálculo e catecismo. E para completar a boa formação de uma sinhazinha da época as indispensáveis lições de piano foram dadas pelo Maestro Lobo.
Mas Chiquinha logo demonstrou um caráter inquieto e muito rebelde. Surgiram sérios atritos com o pai pois o destino para uma moça namoradeira e independente demais na época era casar ou ir para o convento.
Não se tem notícia do envolvimento de Chiquinha na escolha do noivo mas tratava-se de um bom, casamento para os padrões vigentes. Ela ,com 16 anos morena de cabelos ondulados e estatura baixa. Ele Jacinto Ribeiro do Amaral com 24 anos, alto e atlético de cabelos alourados e olhos claros e sobretudo filho de um comendador já falecido e negociante bem sucedido.
O casamento foi realizado em 5 de novembro de 1863 e pouco mais de oito meses depois nasce o primeiro filho do casal João Gualberto. Tudo indicava que Chiquinha teria o destino da grande maioria das mulheres da época de D. Pedro II ou seja se tornasse um dama da corte de D. Pedro II , ou seja mãe de muitos filhos e dona de casa dedicada mas isso não parecia atrair Chiquinha. Ela passa a se ligar mais ao piano e a música e em pouco tempo isso passa a incomodar o marido.
A tensão conjugal estourou quando aconteceu a Guerra do Paraguai. O marido de Chiquinha era comandante e sócio de um navio mercante, o São Paulo e esta embarcação foi fretada pelo governo para transportar pessoal e equipamentos para a guerra. Jacinto começa a viajar para o Sul e se preocupa em deixar Chiquinha no Rio já que ela se tornara mãe pela segunda vez agora da menina Maria do Patrocínio.
Iludido com a possibilidade de manter o controle total sobre a esposa passa a levá-la com o filho João Gualberto nas viagens ao sul. Além do absurdo de ver a guerra de perto Chiquinha se desespera por se afastar da música. O marido lhe arranja um violão a bordo mas o desfecho não poderia ser outro. Antes de terminada a Guerra do Paraguai Jacinto dá o ultimato: ou ele ou a música. Ela lhe responde de forma respeitosa mas firme com uma frase de duplo sentido:
- Pois senhor meu marido eu não entendo a vida sem harmonia.
Chiquinha estava dando nesta época o primeiro salto para sua independência e para se tornar mais que uma musicista, um vulto de nossa história.
Mas isso que isso acontecesse o casal se divorciou. E também se levantou suspeitas sobre a paternidade do terceiro filho do casal pois Chiquinha tinha largado o marido para viver com João Batista Carvalho, engenheiro que trabalhava em estradas de ferro. Alegre e bem sucedido, Carvalhinho, como era chamado seduziu Chiquinha e ela aceitou viver com ele nos acampamentos de construção da estrada de ferro Morgiana no interior de Minas entre 1871 e 1875. Nesse ano retornaram ao Rio e assumiram abertamente sua união até porque estavam prestes a ter um filho.
A filha dos dois recebeu o nome de Alice. A situação revolta Jacinto que abre um processo de divórcio no Tribunal Eclesiástico, algo pouco comum e que a própria Igreja não incentivava. No processo ele acusa Chiquinha de abandono de lar e adultério. Ela assume a primeira acusação e nega a segunda.
Antes que a sentença fosse proferida em 1877, Chiquinha e Carvalhinho já estavam separados. A decepção com este amor a marcou para sempre e colocou a música como centro de suas atenções
Além da marca de ser uma mulher divorciada com um século de antecipação) Chiquinha viu o pai morrer renegando-a e seu nome ficou impronunciável perante a família.

Teatro de Revista e Operetas

Chiquinha Gonzaga ficou conhecida nos meios musicais brasileiros como “Offenbach de Saias” referência a Jacques Offenbach famoso compositor de operetas francês.
Isso graças a seu trabalho no teatro de revista. Trazido pelos franceses do Alcazar lírico, o teatro musicado popular foi ganhando mais e mais público interessado em se divertir com algo que não fosse nem muito longo como a óperas, nem muito sério como o teatro. Aos poucos foi surgindo um jeito brasileiro de se fazer estas montagens Começaram a aparecer os primeiros revistógrafos. Abriu-se um mercado de trabalho e Chiquinha sempre sintonizada com as novidades e atenta ao gosto do público viu ali uma oportunidade de trabalho.Investiu firme no projeto e se tornou maestrina da Praça Tiradentes.
No ano de 1884, depois de algumas tentativas infrutíferas, Chiquinha Gonzaga tornou-se autora de uma opereta chamada “ A Corte na Roça” com libreto e um ato escrito pelo também iniciante no gênero Palhares Ribeiro. A estreia da peça em 17 de janeiro de 1885 foi precedida de muitos problemas na produção do Teatro Príncipe Imperial (que depois se chamou São José). Apesar da descrença de alguns atores e músicos com o fato de, pela primeira vez a partitura musical ser escrita por uma mulher, foi justamente essa a única parte do espetáculo poupada pela crítica. O público gostou da música, em especial o maxixe que se dançava no encerramento. Chiquinha usaria esse recurso, de encerrar o espetáculo com um número de maxixe dançado, em várias outras montagens.
A parte musical foi descrita como bem instrumentada, alegre, buliçosa, saltitante, cheia de mimo e de caráter nacional.
A conquista do reconhecimento como maestrina teve um sabor especial para Chiquinha e lhe abriu um campo de trabalho a que ela se atirou por inteiro. Em pouco tempo um espetáculo com música de Chiquinha Gonzaga era garantia de casa cheia.
Em maio do mesmo ano da estreia já entrava em cartaz seu segundo trabalho para teatro e dessa vez tendo um libretista consagrado o jornalista Augusto de Castro. Mais uma vez a música salvava o espetáculo e o nome de Chiquinha se destacava.
Em 1886 duas revistas disputaram a preferência do público, “ O bilontra” escrita por Arthur de Azevedo e Moreira Sampaio e “ A mulher homem” escrita por Valentim Magalhães e Filinto de Almeida. Nessa segunda Chiquinha é autora de parte das músicas entre elas a do quadro “ O maxixe na Cidade Nova” que se destacou e criou polêmica por ter uma coreografia considerada sensual demais.
Outras operetas de Chiquinha Gonzaga são a ópera cômica “ A bota do diabo” estreada em Portugal em 1909.

Outro João Batista
A vida profissional da compositora ia muito bem mas a vida pessoal foi marcada pelo pouco convívio com os filhos. Embora fosse mãe de quatro filhos João Guallberto., Maria, Hilário e Alice estes foram criados pelos avós e tios.
A vida de Chiquinha também não foi fácil e ela chegou da dar aulas de piano, canto, francês, geografia, história e português para se manter.
Foi então que aconteceu um fato muito inusitado em sua vida, uma nova paixão.
João Batista Fernandes Lage, nascido próximo a cidade de Braga, no Norte de Portugal, tinha 16 naos quando conheceu e se apaixonou por Chiquinha. Seria mais um escândalo na vida da artista ma dessa vez ela optou pela dissimulação em vez do enfrentamento.
Chiquinha era tão preocupada com sua privacidade e como quanto podiam comentar sobre sua vida privada que não aceitava ter empregado em casa. Por dois anos o romance ficou em segredo absoluto até que, após uma viagem a Europa, com o rapaz tendo chegado a maioridade, retornaram se apresentando como mãe e filho. Era uma mentira difícil de acreditar até porque o rapaz tinha sotaque português mas ninguém ousou questionar. A estabilidade dessa união e a dedicação que João Batista lhe devotou até o fim da vida foram um descanso para o coração sofrido da compositora. Ironicamente, ela que tinha quatro filhos, mas com eles não convivia, acabou casada com um rapaz 36 anos maia moço que apresentava como filho.

O Abre- Alas

Chiquinha Gonzaga foi autora da primeira música de carnaval brasileira.Usando sua aguçada sensibilidade e morando no bairro do Andaraí próximo de onde acabara de ser fundado o cordão Rosa de Ouro a maestrina resolve dedicar ao grupo uma música própria para o canto nos dias de folia. Uma melodia simples para versos curtos:

Ô abre-alas
Que eu quero passar (bis)
Eu sou da lira
Não posso negar (bis)
Ô abre-alas
Que eu quero passar(bis)
Rosa de Ouro´
É que vai ganhar (bis)


Outras Fatos. Importantes da Vida da Compositora

Em 1911, dois autores muito jovens procuram a maestrina com uma idéia diferente. Uma peça que mostrasse os costumes do bairro popular da Cidade Nova, não só através de música e dança mas também com gírias e expressões típicas. Chiquinha percebe que a ideía é boa e usa seu prestígio pessoal para convencer a companhia do teatro São José a montar “ Forrobodó;um choro na Cidade Nova. A peça que era para ficar em cartaz apenas uma semana, segundo a má vontade dos donos da companhia, teve cerca de de 1500 récitas. Um sucesso retumbante o maior da maestrina no teatro
Um século depois ainda se pode constatar que as letras das canções escritas por Carlos Bittencourt e Luiz Peixoto para Forrobodó ainda são bem apimentadas.
Em 1933, a maestrina escreveu sua última opereta, “ Maria” com libreto de Viriato Correia, totalizando 77 trabalhos para teatro uma marca difícil de ser igualada.
Sem pre preocupada em garantir seu sustento, a compositora foi uma pioneira na defesa do direito autoral. Juntamente com vários autores de peças teatrais ajudou a fundar em 1917 a Sociedade Brasileira de Autores Teatrais- SBAT, entidade pioneira no Brasil.
Depois do sucesso de sua última opereta a maestrina recolheu-se a ao apartamento na Praça Tiradentes, onde só João Batista tinha acesso. Ele cuidou dela até o fim da tarde de 28 de fevereiro de 1935, uma quinta-feira antevéspera do Carnaval. Aos 88 anos de uma vida majoritariamente vitoriosas, a maestrina faleceu.
Talento, coragem, ousadia, capacidade de atender com música ás demandas da sociedade, tudo isso deu a Chiquinha, além de inúmeros aborrecimentos, a chance de sintetizar sua época através de sua arte.
Ao longo de uma vida de produção artística variada onde experimentou todo tipo de forma e gênero musical- do maxixe a música sacra.


quinta-feira, 28 de maio de 2015

Noel Rosa

Noel Rosa

Noel Rosa nasceu,viveu e morreu no mesmo chalé modesto da Rua Teodoro da Silva em Vila Isabel bairro do Rio de Janeiro que deve muito de sua fama musical aos sambas que o filho ilustre lhe dedicou.
Noel Rosa nasceu no Rio de Janeiro no dia 11 d dezembro de 1910.
Teve um parto difícil pois seu nascimento ameaçou sua vida e de sua mãe. Isso acrescentado da imperícia do médico que acompanhou seu nascimento fez com que durante seu nascimento o forcéps fraturasse uma de suas mandíbulas deixando-lhe um traço peculiar em sua fisionomia.
Noel Rosa foi o primeiro filho do comerciante Manuel Garcia de Medeiros Rosa e da professora Marta de Medeiros Rosa.
Marcou sua personalidade o temperamento inquieto, satírico, crítico, transgressor já no período de escola (foi aluno do tradicional Colégio São Bento)
Cultivava um sentimento que desapareceu como tempo: o bairrismo. Ele e outros jovens do bairro de Vila Isabel tinham orgulho de seu bairro assim como o cidadão de hoje tem orgulho de sua cidade.

Características de sua Obra
Uma das características do samba de Noel Rosa é seu relacionamento com os artistas negros dos morros vizinhos ao bairro de Vila Isabel. Foi amigo do compositor Ismael Silva e do compositor Cartola.
Isso lhe causou muito preconceito pois acusaram-no de andar misturado com “gentinha”, más companhias. O fato é que Noel Rosa foi parceiro de muitos artistas negros oriundos do morros e foi influenciado por muitos artistas negros. Foi companheiro de boemia de vários deles.
Um de seus primeiros sucessos foi o samba “ Com que Roupa” de 1929. O motivo da criação da obra foi o seguinte. A mãe não gostava de que o compositor saísse com seus companheiros de boemia a noite e um dia escondeu-lhe as roupas. Quando os companheiros de noitada vieram buscá-lo ele não tinha roupa para vestir e então respondeu “Com que Roupas”
A letra da música de um humor peculiar é a seguinte:

Agora vou mudar minha conduta, eu vou para a luta
Pois eu quero me aprumar
Vou tratar você com a força bruta
Pra poder me reabilitar
Pois esta vida não está sopa e eu pergunto:
Com que roupa ?
Com que roupa que eu vou
Pro samba que você me convidou ?
Com que roupa que eu vou
Pro samba que você me convidou ?
Agora, eu não ando mais fagueiro
Pois o dinheiro não é fácil de ganhar
Mesmo eu sendo um cabra trapaceiro
Não consigo ter nem pra gastar
Eu já corri de vento em popa, mas agora
Com que roupa ?
Com que roupa que eu vou
Pro samba que você me convidou ?
Com, que roupa que eu vou
Pro samba que você me convidou ?
Eu hoje estou pulando como sapo
Pra ver se escapo desta praga de urubu
Já estou coberto de farrapo, eu vou acabar ficado nu
Meu paletó virou estopa e eu nem sei mais
Com que roupa ?
Com que roupa que eu vou
Pro samba que você me convidou ?
Com, que roupa que eu vou
Pro samba que você me convidou ?

Em “Quem Dá Mais” feito e gravado no primeiro ano do governo Getúlio Vargas um ano após a Revolução de Trinta já é um modelo de crítica ao novo governo. É a perspicácia de um jovem compositor já satirizando o notório desapego do brasileiro pelo que é seu..
Em “ Samba da Boa Vontade” Noel ousa comparar o Brasil a uma criança perdulária que anda sem vintém mas tem mãe que é milionária. Faz referência á crise do café e brinca com o otimismo que o novo regime receita para o brasileiro enfrentar os tempos difíceis.
Em Onde Está a Honestidade o compositor segundo biógrafos vinga-se dos desonestos burocratas que perseguiram seu pai.

Personalidade

A personalidade de Noel Rosa tem várias caraterísticas. Uma das principais é o humor judaico autodepreciativo de rir da própria desgraça e de satirizar as privações e mazelas pelas quais o brasileiro em geral passa.
Um dos seus primeiros biógrafos foi seu primo Jacy Pacheco.
Já foram apontadas em sua personalidade simpatias com o comunismo já devidamente contestadas por outros contemporâneos. O compositor em suas criações refere-se a pobreza, a fome ás dívidas suas e do brasileiro em geral
O Brasil de Noel Rosa era o Rio de Janeiro a capital da República o centro da vida política e cultural do qual ele raramente se afastou. Se afastou apenas para uma visita a São Paulo, uma estada em Belo Horizonte e excursões ao Sul ao norte fluminense e ao Espírito Santo mesmo assim estas viagens sendo ausências poucas e breves)
É o Rio de Janeiro que Noel canta quase sempre, principalmente Vila Isabel e sobretudo a Penha a qual dedicou mais sambas do que ao seu bairro. O Estacio vem em seguida assim como Salgueiro Mangueira Osvaldo Cruz, Matriz, Meier, Cascadura, Pavuna, Gamboa , Copacabana e Lapa todos mencionados de alguma forma em suas letras.
Foi acusado em tempos posteriores de ser racista e antisemita. A acusação de racismo originou-se da letra de Feitiço da Vila que segundo o acusador descartava os elementos básicos da oferenda da umbanda.
Em Noel Rosa já forma, como já foi dito apontados traços de antisemitismo que segundo seus detratores desmentiam o caráter libertário com que o aluno do São Bento se opôs a tudo que os beneditinos lhe ensinaram, inclusive conceitos declaradamente antisemitas (uma leitura de todos os números do Alvorada jornalzinho oficial do colégio, editados quando o compositor esteve no colégio é o bastante para que se saiba o que padres e professores pensavam a respeito do assunto)
O compositor também já foi visto como moralista condenando em uma música famosa a vida na malandragem musica em que responde á famosa apologia que o novato Wilson Batista fez da malandragem.
Ao contrário a vida dos malandros o fascinava. Amigo de malandros, alguns deles temidos, ás voltas com a lei Noel em vários outros sambas ao contrário os defende. E até os enaltece na figura do malandro homossexual , inspirado no famoso malandro homossexual Madame Satã, famosa figura marginal do bairro boêmio da Lapa no Rio de Janeiro.
Mas há também o Noel crítico dos estrangeirismos satirizando a adesão a modismos estrangeiros como na letra de “ Não Tem Tradução”:
O cinema falado é o grande culpado da transformação
Dessa gente que sente que um barracão prende mais que um xadrez
Lá no morro, se eu fizer uma falseta
A Risoleta desiste logo do francês e do inglês
A gíria que o nosso morro criou
Bem cedo a cidade aceitou e usou
Maia tarde o malandro deixou de sambar dando pinote
Na gafieira dançar o foxtrote
Esta gente hoje em dia que tem mania de exibição
Não entende que o samba não tem tradução no idioma francês
Tudo aquilo que o malandro pronuncia
Com voz macia é brasileiro já passou de português
Amor lá no morro é amor pra chuchu
As rimas do samba não são I Love You
E este negócio de alô, alô boy e alô Jonnhy
Só pode ser conversa de telefone


Mulheres

Noel Rosa casou-se com Lindaura Martins em 1934, com quem passou quatro meses na casa dos tios, em Belo Horizonte onde esperava se curar da tuberculose que o afetava.
Mas o grande amor de sua vida, entre inúmeros casos amorosos, foi Juraci Correa de Moraes,a Ceci.
O romance entre Noel e Ceci começara na noite de São João de 1934 no cabaré Apolo um dos muitos da Lapa carioca de então. Ceci ainda trabalharia nele e em vários outros da região. Das muitas mulheres da vida de Noel foi sem dúvida a mais marcante.Foi musa de vários sambas do compositor. Entre eles “ Dama do cabaré”:]

Foi num cabaré da Lapa
Que eu conheci você
Fumando cigarro
Entornando champanhe no seu soirré
Dançamos um samba
Trocamos um tango por uma palestra
Só saimos de lá meia hora
Depois de descer a orquestra
Em frente a porta um bom carro nos esperava
Mas você se despediu e foi para a casa a pé
No outro dia lá nos Arcos eu andava
A procura da Dama do Cabaré
Eu não sei bem se chorei no momento em que lia
A carta que recebi não me lembro de quem
Você nela me dizia que quem é da boêmia
Usa e abusa da diplomacia
Mas não gosta de ninguém
Foi num cabaré da Lapa...

Fatos Marcantes da Vida do Compositor

Um fato da vida que abalou Noel Rosa foi o suicídio do pai abalando ainda mais o chalé modesto em que a família vivia. Com o tempo o compositor foi se tornando triste e melancólico abatido e pessimista tristeza e pessimismo que o acompanharam até o fim de sua vida.
Mas é seu espírito carioca que se manifesta e não apenas nos lugares aos quais se referiu. É também expresso e de forma muito mais representativa em sua galeria de tipos: o joão-ninguém, o joão teimoso, a maria fumaça, o malandro, a dama do cabaré, o agiota, o bicheiro, a mulata fuzarqueira, o atleta de ombreiras, o homossexual valente, a operária de fábrica, o pão-duro, o coronel ( o velho rico que sustentava moça bonita), o motorneiro e o guarda-civil. Todos retratados de maneira brilhante em suas musicas.
Não foi certamente o melhor compositor de seu tempo. O mais importante talvez por sua lírica inovadora. Não criou novo tipo de samba, mas foi pioneiro ao fundir os sons do asfalto ao do melhor samba carioca, aquele que negros iluminados como seus parceiros Ismael Silva, Cartola, Alcebíades Barcelos, Lauro dos Santos, O Gradim, Antenor Gargalhada, Heitor dos Prazeres criaram. Não tem uma musicografia irrepreensível. Algumas de suas composições na realidade são obras menores, quase brincadeiras, que não resistem a uma avaliação menos condescendente.
Mas são suas, sozinho ou não algumas das mais eternas canções da musica popular brasileira.