Jacob do Bandolim
O
bairro carioca da Lapa, notório pela vida boêmia de seus moradores,
era um bairro onde conviviam diversos tipo de gente na década de
1910. Ali, viviam, em relativa harmonia, boêmios, malandros,
prostitutas francesas e polacas (como eram chamadas as mulheres que
exerciam esse ofício vindas do Leste da Europa), cafetões e
intelectuais.
O
compositor Jacob do Bandolim nasceu na rua Joaquim Silva, uma das
mais movimentadas do bairro, na Maternidade das Laranjeiras no dia 14
de fevereiro de 1918. Era filho da polonesa Rachel Pick com o
farmacêutico capixaba Francisco Gomes Bittencourt, muitos anos mais
velho.
Batizado
Jacob Pick Bittencourt, o menino foi morar no sobrado de número 97,
onde passou a infância e a adolescência. Uma infância solitária
da qual sobraram em suas lembranças apenas um velocípede e um
cachorro chamado Príncipe. Certamente a mãe, conhecendo o ambiente
do bairro preferia mantê-lo isolado. Mas a música furou o bloqueio
através do som do violino de um francês, que ficara cego na
Primeira Guerra e morava no andar térreo do sobrado. Fascinado pelo
som, o menino pediu e ganhou um violino, mas não conseguiu se
adaptar ao arco. Começou a pinicar as cordas com um grampo de cabelo
e depois de inúmeras cordas partidas uma vizinha julgou que o
instrumento mais apropriado para o menino talvez fosse o bandolim.
E
assim foi feito. O menino ganhou um bandolim de cuia, tipo napolitano
e sozinho foi aprender o instrumento criando um novo estilo de tocar
este instrumento. Um dia, vindo de uma festa na vizinhança, Jacob
ouviu uma melodia de um choro. Era o clássico” E do que há” e
solado por seu autor Luiz Americano. Pegou o bandolim e ficou
tentando reproduzir o que ouvia. Desde esse dia até o fim de sua
vida, sua fascinação pelo choro só aumentou.
O
adolescente ficou obcecado em conseguir um bom resultado com o
bandolim e, autodidata, foi conseguindo vencer etapas. Aos quinze
anos tocou pela primeira vez numa estação de rádio, era a Hora do
Amador Untissal”( antisséptico cicatrizante, antecessor do
mertiolate) da Rádio Guanabara. Com o grupo do Sereno, uns amigos
também iniciantes tocou o choro “Aguenta Calunga” do flautista
paulista Atílio Grani. O resultado não entusiasmou a Jacob que
preferiu continuar estudando.
Após
acompanhar fadistas e guitarristas portugueses com o violão durante
algum tempo, Jacob iniciou de fato sua carreira de solista ao ganhar
o concurso do “Programa dos Novos” na mesma Rádio Guanabara
algum tempo depois. Para o concurso organizou o conjunto Jacob e Sua
Gente, que era composto por Valério Farias, o Roxinho e Osmar
Menezes nos violões, Carlos Gil no cavaquinho, Manuel Gil no
pandeiro e Natalino Gil na percussão. O conjunto começou a atuar em
diversas rádios e chegou a substituir o regional de Benedito
Lacerda, o de maior renome na época., no acompanhamento de cantores.
E
assim o grupo ia percorrendo as rádios e ganhando dinheiro
Amizade
Em
1939, na Rádio Ipanema, que ficava no Posto Seis em Copacabana,
Jacob conheceu um rapaz violonista que servia ao Exército no Forte
ali perto e que se tornaria seu mais valioso auxiliar pela vida
inteira. Tratava-se de Benedito César Ramos de Faria que mais tarde
teria a felicidade de ver seu filho Paulo consagrado na carreira
artística com o nome artístico de Paulinho da Viola.
Casamento
Em
1940 no dia 11 de maio Jacob casou-se com Adylia Ferreira moça de
família de classe média próspera e teve que assumir um compromisso
para que o pai da noiva aceitasse o enlace. Prometeu e cumpriu não
depender de música para os sustento do casal. E a família cresceu
rápido. Em 1941 nasceu o filho Sérgio e no ano seguinte a filha
Elena.
Emprego
Em
1943, Jacob se afastou do trabalho em rádios para se preparar e
prestar um concurso público. Aprovado, foi nomeado escrevente
juramentado da justiça, profissão que exerceu até sua
aposentadoria. Não se pode precisar se em função da agilidade dos
dedos ou pela prática da função de escrevente, Jacob se tornou um
virtuose da máquina de escrever, capaz inclusive de conversar ou
solfejar uma música enquanto batia um texto.
Por insistência de
Adyla voltou ao rádio em 1945, passando a atuar na Rádio Mauá com
um grupo novo que trazia a base do conjunto com que finalmente
chegaria ao disco na Continental dois anos depois.
No começo da década de 1940, Jacob gravou com o grande compositor
Ataulfo Alves alguns sambas que tiveram muito sucesso como o clássico
“ Ai que saudade de Amélia”. Também gravou quatro discos
contendo música de Ernesto Nazareth. Trata-se de adaptações
perfeitas de músicas muito bem escritas para piano e transcritas
para bandolim e conjunto regional.
Opiniões Polêmicas
Jacob do Bandolim possuía uma personalidade muito forte e
contraditória. Não tinha pudor em emitir suas opiniões polêmicas
doesse a quem doesse.
È
muito conhecida a sua implicância com a música e a pessoa de Waldir
Azevedo.
Em
1953, Jacob deu uma entrevista para o jornal” O Tempo de São
Paulo” na qual previu que o choro duraria no máximo dez anos.
Depois deste tempo confirmou esta afirmação sobre o acerto de sua
previsão.; E não está morto? Mas em outra ocasião esquecendo do
atestado de óbito pré-datado que ele mesmo assinara declarou: “Não
deixarei que façam com o choro o que fizeram com o samba”
Na
contracapa de seu LP “ Na roda do choro” definiu o chorão de
forma bem fantasiosa:”É em princípio um improvisador, passa a
vida planejando ensaios que nunca realiza porque indisciplinado,
rebelde, os transforma em memoráveis reuniões onde prefere mostrar
seu talento emotividade e capacidade improvisadora. Não faz questão
de ser renumerado, mas não dispensa onde toca um bom prato ou um
gostoso trago ou ambos ao mesmo tempo. Prefere o sereno ao abrigo até
mulher nessas reuniões é para o chorão apenas um incidente” Para
quem não bebia e ensaiava seu grupo com mão de ferro essa definição
de chorão é até irônica.
Atacava
os músicos da velha guarda, como Donga, Mas atacava também Baden
Powell e Rosinha de Valença. Não poupava nem mesmo Edu Lobo do qual
só achava bom Canto Triste.
Criticava
ferozmente a bossa nova que considerava uma tentativa de imitação
do jazz que eliminava as mais autênticas inflexões da música
brasileira opinião que refletia sua definição do povo brasileiro
como um povo simples, conservador e que não dispensava um chinelo
velho e a sombra de uma mangueira.
O
Bandolim
Jacob
deu personalidade própria ao bandolim brasileiro no que tange a
forma de tocar. Ao contrário do que já foi publicado o formato do
instrumento que usava não é resultado de suas pesquisas. Jacob
tocava um bandolim feito por um português, de acordo com a tradição
lusitana do instrumento, uma espécie de cruzamento de bandolim
napolitano com guitarra portuguesa.
E
por falar em heranças lusitanas, o fraseado de Jacob sofreu
influência dos executantes de guitarra portuguesa. Foi certamente a
partir daí que ele extraiu os ornamentos que usou com tanta
propriedade em suas interpretações. Quando perguntado o porquê de
seu bandolim ter um som tão diferente do usual ele respondia sem
falsa modéstia; “ O som do bandolim não é diferente o que é
diferente sou eu “
Naquela
Mesa
O filho de Jacob Sérgio
Bittencourt autor da canção” Modinha” fez uma emocionante
homenagem ao pai depois do falecimento de Jacob. Trata-se da música
Naquela mesa famosa na voz da Divina Elizeth Cardoso.
A
letra é a seguinte :
Naquela
mesa ele sentava sempre
E
me dizia sempre
O
que é viver melhor
Naquele
mesa ele contava histórias
Que
hoje na memória
Eu
guardo e sei de cor
Naquele
mesa ele juntava gente
E
contava contente
O
que fez de manhã
E
nos seus olhos era tanto brilho
Que
mais que seu filho
Eu
fiquei seu fã
Eu
não sabia que doía tanto
Uma
mesa um canto
Uma
casa e um jardim
Se
eu soubesse quanto doí a vida
Essa
dor tão doída
Não
doía assim
Agora
resta uma mesa na sala
E
hoje ninguém mais fala
Do
seu bandolim
Naquela
mesa tá faltando ele
E
a saudade dele
Tá
doendo em mim
Naquela
mesa tá faltando ele
E
a saudade dele
Tá
doendo em mim
Morte
Em
13 de agosto de 1969, voltando da casa de seu ídolo Pixinguinha
Jacob teve o segundo e fatal enfarte. O primeiro havia sido no palco
do Teatro Casa Grande depois de uma ovação de universitários por
sua interpretação de Lamentos .O segundo foi fulminante e foi uma
grande perda para o bandolim brasileiro.
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