quarta-feira, 8 de novembro de 2017

Jacob do bandolim


Jacob do Bandolim

O bairro carioca da Lapa, notório pela vida boêmia de seus moradores, era um bairro onde conviviam diversos tipo de gente na década de 1910. Ali, viviam, em relativa harmonia, boêmios, malandros, prostitutas francesas e polacas (como eram chamadas as mulheres que exerciam esse ofício vindas do Leste da Europa), cafetões e intelectuais.
O compositor Jacob do Bandolim nasceu na rua Joaquim Silva, uma das mais movimentadas do bairro, na Maternidade das Laranjeiras no dia 14 de fevereiro de 1918. Era filho da polonesa Rachel Pick com o farmacêutico capixaba Francisco Gomes Bittencourt, muitos anos mais velho.
Batizado Jacob Pick Bittencourt, o menino foi morar no sobrado de número 97, onde passou a infância e a adolescência. Uma infância solitária da qual sobraram em suas lembranças apenas um velocípede e um cachorro chamado Príncipe. Certamente a mãe, conhecendo o ambiente do bairro preferia mantê-lo isolado. Mas a música furou o bloqueio através do som do violino de um francês, que ficara cego na Primeira Guerra e morava no andar térreo do sobrado. Fascinado pelo som, o menino pediu e ganhou um violino, mas não conseguiu se adaptar ao arco. Começou a pinicar as cordas com um grampo de cabelo e depois de inúmeras cordas partidas uma vizinha julgou que o instrumento mais apropriado para o menino talvez fosse o bandolim.
E assim foi feito. O menino ganhou um bandolim de cuia, tipo napolitano e sozinho foi aprender o instrumento criando um novo estilo de tocar este instrumento. Um dia, vindo de uma festa na vizinhança, Jacob ouviu uma melodia de um choro. Era o clássico” E do que há” e solado por seu autor Luiz Americano. Pegou o bandolim e ficou tentando reproduzir o que ouvia. Desde esse dia até o fim de sua vida, sua fascinação pelo choro só aumentou.
O adolescente ficou obcecado em conseguir um bom resultado com o bandolim e, autodidata, foi conseguindo vencer etapas. Aos quinze anos tocou pela primeira vez numa estação de rádio, era a Hora do Amador Untissal”( antisséptico cicatrizante, antecessor do mertiolate) da Rádio Guanabara. Com o grupo do Sereno, uns amigos também iniciantes tocou o choro “Aguenta Calunga” do flautista paulista Atílio Grani. O resultado não entusiasmou a Jacob que preferiu continuar estudando.
Após acompanhar fadistas e guitarristas portugueses com o violão durante algum tempo, Jacob iniciou de fato sua carreira de solista ao ganhar o concurso do “Programa dos Novos” na mesma Rádio Guanabara algum tempo depois. Para o concurso organizou o conjunto Jacob e Sua Gente, que era composto por Valério Farias, o Roxinho e Osmar Menezes nos violões, Carlos Gil no cavaquinho, Manuel Gil no pandeiro e Natalino Gil na percussão. O conjunto começou a atuar em diversas rádios e chegou a substituir o regional de Benedito Lacerda, o de maior renome na época., no acompanhamento de cantores.
E assim o grupo ia percorrendo as rádios e ganhando dinheiro

Amizade

Em 1939, na Rádio Ipanema, que ficava no Posto Seis em Copacabana, Jacob conheceu um rapaz violonista que servia ao Exército no Forte ali perto e que se tornaria seu mais valioso auxiliar pela vida inteira. Tratava-se de Benedito César Ramos de Faria que mais tarde teria a felicidade de ver seu filho Paulo consagrado na carreira artística com o nome artístico de Paulinho da Viola.

Casamento

Em 1940 no dia 11 de maio Jacob casou-se com Adylia Ferreira moça de família de classe média próspera e teve que assumir um compromisso para que o pai da noiva aceitasse o enlace. Prometeu e cumpriu não depender de música para os sustento do casal. E a família cresceu rápido. Em 1941 nasceu o filho Sérgio e no ano seguinte a filha Elena.

Emprego

Em 1943, Jacob se afastou do trabalho em rádios para se preparar e prestar um concurso público. Aprovado, foi nomeado escrevente juramentado da justiça, profissão que exerceu até sua aposentadoria. Não se pode precisar se em função da agilidade dos dedos ou pela prática da função de escrevente, Jacob se tornou um virtuose da máquina de escrever, capaz inclusive de conversar ou solfejar uma música enquanto batia um texto.
Por insistência de Adyla voltou ao rádio em 1945, passando a atuar na Rádio Mauá com um grupo novo que trazia a base do conjunto com que finalmente chegaria ao disco na Continental dois anos depois.
No começo da década de 1940, Jacob gravou com o grande compositor Ataulfo Alves alguns sambas que tiveram muito sucesso como o clássico “ Ai que saudade de Amélia”. Também gravou quatro discos contendo música de Ernesto Nazareth. Trata-se de adaptações perfeitas de músicas muito bem escritas para piano e transcritas para bandolim e conjunto regional.

Opiniões Polêmicas

Jacob do Bandolim possuía uma personalidade muito forte e contraditória. Não tinha pudor em emitir suas opiniões polêmicas doesse a quem doesse.
È muito conhecida a sua implicância com a música e a pessoa de Waldir Azevedo.
Em 1953, Jacob deu uma entrevista para o jornal” O Tempo de São Paulo” na qual previu que o choro duraria no máximo dez anos. Depois deste tempo confirmou esta afirmação sobre o acerto de sua previsão.; E não está morto? Mas em outra ocasião esquecendo do atestado de óbito pré-datado que ele mesmo assinara declarou: “Não deixarei que façam com o choro o que fizeram com o samba”
Na contracapa de seu LP “ Na roda do choro” definiu o chorão de forma bem fantasiosa:”É em princípio um improvisador, passa a vida planejando ensaios que nunca realiza porque indisciplinado, rebelde, os transforma em memoráveis reuniões onde prefere mostrar seu talento emotividade e capacidade improvisadora. Não faz questão de ser renumerado, mas não dispensa onde toca um bom prato ou um gostoso trago ou ambos ao mesmo tempo. Prefere o sereno ao abrigo até mulher nessas reuniões é para o chorão apenas um incidente” Para quem não bebia e ensaiava seu grupo com mão de ferro essa definição de chorão é até irônica.
Atacava os músicos da velha guarda, como Donga, Mas atacava também Baden Powell e Rosinha de Valença. Não poupava nem mesmo Edu Lobo do qual só achava bom Canto Triste.
Criticava ferozmente a bossa nova que considerava uma tentativa de imitação do jazz que eliminava as mais autênticas inflexões da música brasileira opinião que refletia sua definição do povo brasileiro como um povo simples, conservador e que não dispensava um chinelo velho e a sombra de uma mangueira.

O Bandolim

Jacob deu personalidade própria ao bandolim brasileiro no que tange a forma de tocar. Ao contrário do que já foi publicado o formato do instrumento que usava não é resultado de suas pesquisas. Jacob tocava um bandolim feito por um português, de acordo com a tradição lusitana do instrumento, uma espécie de cruzamento de bandolim napolitano com guitarra portuguesa.
E por falar em heranças lusitanas, o fraseado de Jacob sofreu influência dos executantes de guitarra portuguesa. Foi certamente a partir daí que ele extraiu os ornamentos que usou com tanta propriedade em suas interpretações. Quando perguntado o porquê de seu bandolim ter um som tão diferente do usual ele respondia sem falsa modéstia; “ O som do bandolim não é diferente o que é diferente sou eu “
Naquela Mesa
O filho de Jacob Sérgio Bittencourt autor da canção” Modinha” fez uma emocionante homenagem ao pai depois do falecimento de Jacob. Trata-se da música Naquela mesa famosa na voz da Divina Elizeth Cardoso.
A letra é a seguinte :

Naquela mesa ele sentava sempre
E me dizia sempre
O que é viver melhor
Naquele mesa ele contava histórias
Que hoje na memória
Eu guardo e sei de cor
Naquele mesa ele juntava gente
E contava contente
O que fez de manhã
E nos seus olhos era tanto brilho
Que mais que seu filho
Eu fiquei seu fã
Eu não sabia que doía tanto
Uma mesa um canto
Uma casa e um jardim
Se eu soubesse quanto doí a vida
Essa dor tão doída
Não doía assim
Agora resta uma mesa na sala
E hoje ninguém mais fala
Do seu bandolim
Naquela mesa tá faltando ele
E a saudade dele
Tá doendo em mim
Naquela mesa tá faltando ele
E a saudade dele
Tá doendo em mim
Morte

Em 13 de agosto de 1969, voltando da casa de seu ídolo Pixinguinha Jacob teve o segundo e fatal enfarte. O primeiro havia sido no palco do Teatro Casa Grande depois de uma ovação de universitários por sua interpretação de Lamentos .O segundo foi fulminante e foi uma grande perda para o bandolim brasileiro.







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